quinta-feira, 9 de julho de 2020

“A Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4,12)


15º Domingo do Tempo Comum - Ano A


Durante toda a história da humanidade, a maioria das vezes, o ser humano preferiu ignorar a vontade de Deus, deixando de acolher a revelação direcionada a todos sem qualquer acepção de pessoa. Este é o antigo escândalo, e é o escândalo moderno: muitos preferem não ver, porque estão muito focados em si mesmos, no poder, no dinheiro, nas vantagens pessoais, nas coisas triviais. Mesmo respeitando o livre arbítrio do ser humano, Deus faz a sua obra. A eficácia de sua palavra é irreversível. Pode haver atrasos, pode haver displicência, mas sua palavra terminará por fazer acontecer o mundo vindouro. Porque é palavra de Deus, viva e eficaz, realiza uma obra divina que o ser humano não pode impedir que aconteça.

É nesse sentido que Jesus oferece sua palavra ao mundo; a semente é semeada em todo tipo de terreno (Mt 13,1-23). Sua palavra é a base da comunhão entre aqueles que se deixam transformar por Deus. Jesus dá a sua palavra a todos, mas, por várias razões, ela não é aceita por alguns. Os que a acolhem  não o fazem pela força de nenhum argumento racional, mas pela profundidade de um estilo de vida totalmente transformada, vivida a partir de outros valores.

A citação do texto de Is 6,9-13 nos faz pensar sobre a situação daqueles que recusam a palavra de Deus, que é o próprio Jesus. Recusam- se a entender porque preferem sua mentira em vez da verdade de Deus. Tendo os olhos e ouvidos fechados, não aceitam o perdão que Deus lhes oferece por meio de Jesus. Mas não estamos falando sobre ateus, afinal os discípulos que ouviram a parábola do semeador também não a entenderam. Estamos falando de uma multidão de pessoas que se dizem religiosas, cristãs, e oferecem um terreno ruim para a boa semente plantada por Jesus porque se tornam desleais a Deus diante de qualquer perseguição, porque estão fascinadas pelas riquezas e ocupadas com o que é trivial, coisas próprias deste mundo. Não se trata, portanto, de ateísmo; trata-se de fé superficial que não produz frutos.

Quem acolhe a palavra produz frutos, porque ela é como a semente, possui uma força irreversível para frutificar. Produz frutos para o reino de Deus, que foi instaurado por Jesus e se plenificará no fim dos tempos. “Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque veem; e os vossos ouvidos, porque ouvem” (v. 16). Quer dizer, bem-aventurado quem se abre para a obra que Jesus deseja fazer nos corações através de sua palavra. Basta desistirmos de ser cegos e veremos o que Deus está fazendo; basta que recusemos o fechamento dos ouvidos para ouvir a vontade de Deus para nós e para a época atual; basta que abramos o coração e ofertemos um bom terreno à semeadura de Jesus, e a palavra em nós produzirá seus frutos, e Deus curará nosso mundo da violência, da intolerância, da ganância e de todos os males que deixam nosso espírito enfermo.

Muitas pessoas não acolhem a palavra de Jesus porque estão decepcionadas com o péssimo testemunho que as religiões, de uma maneira geral, têm dado ao longo da história. Houve uma época em Israel em que o povo estava cansado de ouvir profecias triunfalistas, estava impaciente, cheio de dúvidas, com crise de fé e desconfiança na palavra de Deus. As profecias pareciam receitas mágicas para soluções de problemas, havia a promessa de que Deus os tiraria do exílio, mas a cada dia que passava isso parecia impossível. A profecia de Isaías (Is 55,10-11) retrata isso. Era um contexto no qual o povo passava por todas essas dúvidas e questionamentos porque não entendia o modo como Deus agia.

O texto de Is 55,10-11 garante que a mensagem profética, ou seja, a palavra que saiu de Deus, teria resultados concretos. Nada escapa aos cuidados de Deus, e suas mais incompreensíveis decisões têm um sentido. O profeta tinha consciência de que a palavra de Deus não é neutra e não pode ficar sem produzir efeito. Isso tem sido assim ao longo da história, a qual pode ser narrada à luz da presença profunda e onipotente da palavra de Deus, manifestada em tantas vidas humanas.

A comparação da palavra com a chuva foi muito oportuna porque fez os ouvintes daquele tempo pensarem na terra prometida: era uma região cheia de desertos, mas quando caíam as primeiras chuvas, brotavam pequenas flores coloridas em todos os lugares e ainda hoje acontece dessa forma. É impossível não notar esse fenômeno em Israel; da mesma forma, é impossível não notarmos a ação da palavra de Deus e sua eficácia.

O contexto de desconfiança na palavra de Deus, na religião, e em Deus mesmo, não era algo que acontecia somente no antigo Israel, no ambiente do exílio da Babilônia no século VI aC, o mesmo se dava no contexto do ministério de Jesus e no ambiente da Igreja nascente, é o que mostra o texto de Rm 8,18-23. Essa passagem bíblica é sobre o mistério do Reino, do mundo novo que o evangelho veio nos trazer.

Não é onde se aprendem mais teorias que melhor se compreende o evangelho, mas onde a palavra de Deus, anunciada por Jesus, é aceita. Isto é, o poder de Cristo e do evangelho se mostra quando cada pessoa, livremente, se deixa transformar pelo amor gratuito de Deus. Quanto mais pessoas aderirem, verdadeiramente e não superficialmente, a Jesus, mais o mundo se transforma e o reino de Deus se plenifica.

A recusa à palavra de Deus, que Jesus veio anunciar, deixa o mundo debaixo do pecado, ou seja, sob o poder do ódio, da intolerância, da exploração de pessoas e da natureza. O mundo inteiro fica enfermo, torna-se um lugar insuportável para viver.

Por isso, Paulo afirma que a criação inteira espera ansiosamente pela conversão, pela transformação dos corações, para que este mundo se torne um ambiente de fraternidade, de acolhida ao outro, de respeito e de cuidado dispensado às criaturas.

Esse sentimento de desconfiança está presente no contexto atual, mesmo que de forma velada, lá no fundo da alma, ou no inconsciente. E essa desconfiança decorre de uma compreensão errônea sobre o modo como Deus age na história. As pessoas esperam que Deus lhes dê uma solução extraordinária e instantânea para seus problemas. Pois muitas vezes os discursos religiosos prometeram isso, e continuam prometendo. No entanto, a proposta de Deus, que foi assumida pelos profetas e, de modo pleno, por Jesus, é que a palavra se encarne na vida das pessoas, ou seja, no seu agir cotidiano.

A vida de Jesus e a proposta do evangelho parecem loucura; por isso, muitos pensam que são cristãos, mas de fato não são, porque baseiam a própria vida em “valores” que são contrários aos ensinamentos de Jesus. Somente aqueles que estão no caminho do amor podem entender o significado da cruz, da renúncia que, para o mundo, não faz sentido, porque a norma que move o mundo é o egoísmo.
A verdade do evangelho não é uma teoria neutra, abstrata, um conjunto de doutrinas vazias. A palavra do evangelho é uma força poderosa que exige compromisso de vida e conversão contínua. Não há como ser cristão e ficar em cima do muro, servir ao Deus de Jesus Cristo e servir aos propósitos do mundo, como ganância pelo poder e pelas riquezas, na adesão ao ódio e à intolerância, na recusa de receber e dar perdão e misericórdia.



Ir Aíla Luzia Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas) e Palavra Viva e Eficaz (Paulus).

Um comentário:

receitas disse...

Sempre oportuno ouvir,assistir os seus vídeos e ler o que escreve. Oportunidade de retirarmos os véus da ignorância.