quinta-feira, 21 de julho de 2011

O tesouro do Reino: discernir e preferir (Mt 13,44-52)

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*  

Roteiro Homilético para o 17º Domingo do Tempo Comum – ano A

Evangelho
O trecho do evangelho de hoje traz mais uma série de parábolas sobre o Reino dos céus (ou de Deus).

Primeiramente, o Reino é comparado a um tesouro escondido em um campo e encontrado por um homem (v.44). Algumas coisas são afirmadas sobre esse personagem:
- ele encontrou o tesouro
- ele o escondeu novamente
- ele ficou muito feliz (transbordando de alegria)
- ele vendeu tudo que tinha porque preferiu o tesouro
- ele não podia comprar o tesouro, mas apenas o campo onde o encontrou

A estranheza nesse texto do evangelho é a atitude desonesta do homem. Conforme a Torah (o Pentateuco), ele tinha o dever de informar a descoberta para o dono do campo. Esse elemento que choca o nosso senso ético tem o propósito de chamar a nossa atenção para o significado espiritual. As parábolas fazem uma comparação entre a realidade espiritual e a realidade material. O elemento estranho serve para assegurar que a realidade do Reino é incomparável, está muito além do que podemos imaginar. Essa transação comercial não seria possível naquela época nas condições descritas pela parábola. O elemento estranho serve para implodir a estorinha depois de narrada, para que fiquemos apenas com o ensinamento.

E qual é o ensinamento da parábola? Que quando alguém encontra o Reino, mesmo sem o ter procurado, fica tão feliz a ponto de preferi-lo a qualquer coisa. Tudo se torna relativo em comparação com o Reino. Mas quem olha de fora, sem ter feito a experiência com Jesus, não entende os motivos da renúncia e do desprendimento, o Reino permanece invisível para quem não o encontrou. Ensina também que ninguém tem mérito para possuir o Reino, ele nos é dado por Jesus, nós não podemos comprá-lo, mas apenas renunciar a tudo por ele.

A segunda parábola (v. 45-46) está na mesma linha de reflexão que a primeira. A diferença principal é que a pérola de grande valor foi encontrada por alguém que se esforçava em procurá-la (grego: zetéo). Encontrar o Reino é resposta a uma busca insistente pelo Bem, pela Verdade e pelos demais valores que são alvos dos anseios humanos.

Um detalhe importante e não narrado, mas suposto, é que a formação da pérola se dá somente quando a ostra é ferida. Quando um corpo estranho (geralmente um grão de areia) consegue penetrar na concha, a ostra o isola para se defender. A pérola é consequência dessa defesa, é a lágrima da ostra ferida. O que começou como um desastre para a ostra pode se transformar na jóia mais bonita.

A terceira é a parábola da rede (v. 47-50). O termo grego “sagéne” é dado para um equipamento de pesca semelhante a uma draga no fundo do lago arrastada pelo barco e que recolhe todo tipo de coisa.

O ensinamento é o mesmo da parábola do joio. Até que chegue o final dos tempos, os bons e os maus devem conviver. Os que buscam o Reino devem ter misericórdia para com aqueles que não o buscam ainda. A rede está varrendo o fundo desse lago e ninguém escapa dela. Alguns ainda estão no início do processo de amadurecimento, outros já fizeram grandes renúncias. Mas estamos todos juntos, na mesma rede.

Não nos assustemos com a menção da fornalha (v.50), não devemos entendê-la de forma literal, ainda se trata de uma comparação e com o objetivo de retomar a parábola do joio (v. 42). A fornalha é onde se purifica o metal como o ouro e a prata dos quais se retiram as impurezas. É verdade que a purificação dói, mas também é verdade que ela nos torna valiosos, dignos da vocação que recebemos.

“Compreendestes tudo isto? Sim, Senhor, responderam eles” (v. 51).

Se compreendermos que o Reino exige escolhas e que devemos tomar decisões difíceis por causa dele. Que a felicidade do Reino não vem em curto prazo. Que uma lágrima pode se tornar uma pérola de grande valor. Se compreendermos que Jesus foi o primeiro a renunciar seus privilégios para se encarnar em nosso meio. Se entendermos que o tipo de morte que ele sofreu era o pior que poderia acontecer a um ser humano. Se compreendermos que ele não fez tudo isso apenas pelos bons, mas principalmente pelos piores pecadores. Enfim, se compreendermos tudo isso, não intelectualmente, mas com o coração e a vida, é sinal de que já somo doutores no evangelho, somos escribas instruídos do Reino. Saberemos tirar do velho depósito da primeira fase da revelação (Antigo Testamento) a novidade da Palavra de Deus sempre atual.


* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O crescimento do Reino e a Misericórdia de Deus (Mt 13, 24-43)


16º Domingo do Tempo Comum - Ano A





O texto de Mt 13,1-23 apresenta o Reino de Deus como uma semeadura. Os relatos que vêm em seguida (Mt 13, 24-43) desenvolvem mais profundamente esse tema por meio de outras parábolas. O texto começa com parábola do joio plantado no trigal (v. 24-30). O mundo é um campo misto, onde o trigo e o joio crescem; e é impossível separar o trigo do joio, enquanto estivermos neste mundo, uma vez que estão bem misturados.

Jesus nos pede paciência. Ele nos ensina, com a própria vida, que somos capazes de existir e de dar frutos em um mundo plural, numa época em que o bem e o mal estão entrelaçados. Portanto, não devemos transformar o mundo num campo de batalha, cada um querendo eliminar seu adversário. Certamente existe o joio, mas não é possível traçar uma linha no chão e dizer “deste lado está o bem e do lado de lá está o mal”. O joio está tão misturado com o trigo, que até mesmo no interior e nas ações das pessoas mais religiosas o joio está presente. Somente no fim dos tempos Cristo poderá separar o joio do trigo.

Por enquanto, permanece o mundo paradoxal. Essa ideia é completada pelas parábolas que vêm em seguida: a da menor semente (v. 31-32) e a do fermento nas três medidas de farinha (v. 33). Primeiramente, Jesus mostrou uma oposição entre duas sementes e entre dois semeadores; agora, destaca o contraste entre o tamanho da semente e o tamanho da hortaliça e entre a pequena medida de fermento e a quantidade da massa. As oposições convivem no mundo. Os servos do dono da casa querem antecipar o juízo dentro da história, destruindo o joio à força. Esta é a tentação de nosso momento histórico, queremos eliminar as oposições pela força da violência contra o outro que temos por adversário ou desafeto.

Cristo, ao contrário, não entende o mundo como um campo de batalha e deixa a sua semente crescer e amadurecer no meio do joio. Um mundo onde só existe o trigo é outro tipo de mundo, no qual se vive plenamente o amor, e o Cristo o chamava de Reino de Deus. Se formos intolerantes com as pessoas, isso mostra que o joio está em nós, porque não estamos produzindo frutos de amor, mas de violência velada e sutil. E violência é fruto do joio semeado no coração.

E como fica a luta por justiça? Ela deve permanecer. Devemos estar atentos para que o joio não seja semeado e não contamine o campo inteiro. O que Jesus nos proíbe é fazer justiça com as próprias mãos, é disseminar o ódio e a violência. Jesus espera que sejamos o bom trigo e não o joio.

Os cristãos são muitos, mas os que verdadeiramente seguem Jesus constituem um pequeno número, são como a mostarda e o fermento, mas, como a força do trigo é o amor, esses poucos e verdadeiros cristãos fazem com que este mundo caminhe para uma plenitude. Enquanto não chega o fim dos tempos, devemos agir como Deus age.

Para o livro da Sabedoria (Sb 12,13.16-19), Deus é o Senhor absoluto de todas as criaturas e não há outro Deus: essa é a afirmação bíblica do monoteísmo. Apesar de sua onipotência, ele prefere agir com misericórdia em relação às suas criaturas. O domínio de Deus sobre as criaturas estende o amor dele sobre todos os seres, com especial atenção ao ser humano, mais digno de misericórdia porque é o único que peca. Isso não significa que Deus não seja justo, mas que nele se harmonizam misericórdia e justiça.

O modo como Deus age em relação aos incrédulos e aos pecadores leva o autor do livro da Sabedoria a concluir que Israel deve agir para com todos os povos, igualmente, com misericórdia, a exemplo de Deus, misericordioso e compassivo. Ao levar a sério o monoteísmo, Israel teve uma lição de humanismo, teve de ir além da lei do “olho por olho”. Isso preparou o povo para a revelação do Novo Testamento sobre o amor aos inimigos. O texto do livro da Sabedoria também sugere que a salvação é para todos os povos, e isso prepara o anúncio da salvação universal feita pela Igreja primitiva.

Salvação que não é obra humana, afirma o texto de Rm 8,26-27. A salvação é dom de Deus e vem a nós por intermédio de Jesus Cristo. O nosso empenho consiste é na santificação, pelo Espírito Santo. A santificação é realizada ao longo de nossa existência numa configuração de nossa vida ao modo como Cristo viveu, ou seja, fazendo a vontade de Deus.

Mas é difícil ajustarmo-nos à vontade divina; em muitos momentos da vida não conseguimos nem discerni-la. Não sabemos sequer o que pedir a Deus, e muitas vezes, sem saber, insistimos com ele para que nos conceda algo que poderá ser prejudicial a nós ou aos outros. Somos como bebês que tentam se comunicar sem ainda poder articular palavras compreensíveis, que fazem sons sem sentido como reação às palavras, olhares e carinhos dos adultos. O Espírito Santo, em nós, faz a mediação, transmitindo ao Pai o que não conseguimos expressar devido à nossa pequenez, à nossa fragilidade.

O Espírito Santo se faz solidário a nós, não tira a nossa fraqueza, mas nos ajuda em nossa debilidade. Sem a ajuda do Espírito Santo, não saberíamos sequer o que dizer a Deus em nossas orações. Mesmo quando pensamos que sabemos o que devemos pedir, podemos estar totalmente equivocados. O dom do Espírito Santo é a prova de que Deus cuida de nós em todos os sentidos.

Ir Aíla Luzia Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas) e Palavra Viva e Eficaz (Paulus).

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Semeador saiu a semear (Mt 13,1-23)


Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

Roteiro Homilético para 15º Domingo do Tempo Comum

Evangelho
As leituras de hoje destacam os diversos modos de recepção da Palavra de Deus. O trecho do evangelho começa com a parábola do semeador (v. 3-9), destacando diversos tipos de solo onde a semente cai por acaso. A primeira parte, das sementes que foram lançadas, caiu à beira do caminho, quer dizer, onde o solo não tinha sido arado, dessa forma não pode penetrar na terra, ficando exposta aos pássaros que facilmente se alimentaram dela.

Outra parte da semente caiu onde o solo era duro e rochoso com pouca terra, de forma que as raízes não puderam penetrar embaixo da terra para sugar a umidade, isto fez com que as raízes não tivessem forças suficientes para a planta se apoiar e murchasse rapidamente sob o forte calor do sol.

Algumas sementes, continua o texto, caíram na parte do campo onde espinheiros não tinham sido totalmente tirados e destruídos. Os espinheiros cresceram junto com as plantas geradas pela semente. Eles se multiplicaram em quantidade e tamanho, sugaram os nutrientes da terra e impediram a planta de crescer, sufocando-a.

A última parte, por fim, caiu em solo apropriado para o plantio, mesmo assim a produção não foi totalmente cem por cento, conforme se esperava.

Em seguida temos a pergunta dos discípulos sobre o motivo pelo qual Jesus fala às multidões parábolas (v. 10). Jesus responde que os mistérios do reino são revelados somente para quem é discípulo dele. Dizia isto porque as parábolas eram um ensinamento enigmático, ao contrário do que se pensa, quase ninguém as compreendia. As pessoas da multidão tinham uma idéia diferente sobre o reino de Deus, elas pensavam que se tratava do domínio político de Israel sobre as outras nações. Por isso, nem mesmo os discípulos entendiam as parábolas e Jesus tinha que explica-las quando estava a sós com eles.

As multidões eram interesseiras, buscavam Jesus apenas porque queriam a solução imediata de seus problemas e, portanto, queriam obrigar Jesus a ser rei. Para elas as parábolas continuavam sendo um enigma, somente quem tinha se despojado de tudo para seguir Jesus poderia entender o enigma das parábolas quando Jesus as explicava.

Quem permanece na multidão egoísta e não passa para o grupo dos despojado (os discípulos) merece a crítica que o profeta Isaías havia feito aos seus contemporâneos rebeldes (Is 6,9; Mt 13, 14-15). Quem fez a travessia de um grupo a outro, ou seja, quem converteu o coração, merece uma bem-aventurança, pois vivem um momento privilegiado da história da salvação, graça que muitos desejaram presenciar e não lhes foi concedida.

Depois disto temos a explicação da parábola. A semente representa a palavra de Deus comunicada de várias maneiras às pessoas. Jesus é o caminho, nele Deus se revela plenamente ao ser humano; em Jesus temos acesso ao Pai. À margem do caminho, ou seja, sem uma adesão a Jesus, a palavra de Deus não é compreendida de forma profunda, não tem consistência na vida das pessoas e o maligno, representado pelos pássaros, facilmente a arrebata dos corações. É necessário estar no caminho que é Jesus, no caminho da cruz-ressurreição para que a palavra de Deus produza frutos de santidade. Somente o verdadeiro discípulo pode compreender isto, a multidão interesseira não quer saber da cruz, querem apenas “se dar bem”.

Outro tipo de pessoa que recebe a palavra do reino é aquele ouve o evangelho como algo novo e agradável, deixando-o encantado com a vida da igreja e cheio de zelo para com ela, até mesmo que com certo fanatismo. Mas seu engajamento na construção do reino de Deus não tem raízes profundas. Esse tipo de pessoa é como afirma o dito popular “é fogo de palha”, dura pouco, e sob qualquer dificuldade se escandaliza. Se é para louvar e cantar ou ter um pouco de destaque pode-se contar com esse tipo de pessoa, mas se há alguma exigência de compromisso, por menor que seja, então já não há disponibilidade.

O terceiro tipo de pessoa que recebe a palavra de Deus é constituído por aqueles que são fascinados pelas riquezas e se rendem a tudo que o mundo oferece como receita mágica de felicidade. Sucumbe à tentação para ser desonesto, enganar, tirar vantagem dos outros, oprimir etc. A palavra é sufocada por diversas vozes que impedem a consciência de ouvir os apelos de Jesus. Nesse estado de espírito, os bons sentimentos e pensamentos não têm força para resistir a vozes tão fortes.

O último tipo de pessoa é como a semente que cai em solo bom, ou seja, quando o coração se submete à influência da palavra tal e qual a semente em um campo amplo sem nada que a sufoque e sem que os raios do sol a sequem. Quando o coração retira sua seiva vital da experiência pessoal com Cristo ressuscitado. Um coração assim é como um solo no qual a palavra se desenvolve e se fortalece exuberante sob os raios da manhã e o orvalho da noite. Mesmo nestas condições, algumas pessoas não produzem totalmente os frutos esperados por Deus, frutos de santidade, justiça, paz e fraternidade.

Então, todas as sementes eram boas, todas tinham um potencial para produzir cem por cento, o problema era o solo. Isto nos leva a perguntar sobre os motivos pelos quais o semeador desperdiçou suas sementes em solos ruins. Mas, com a afirmação de que “parte da semente caiu” em tal lugar, a parábola quer dizer que não era intenção do semeador plantar em solo ruim, o semeador esperava que todas as sementes caíssem em solo bom e que produzissem cem por cento. Contudo, o semeador sabia que algumas sementes não iriam atingir seu pleno potencial, mas isto não o impediu de realizar a semeadura. Isto significa que mesmo correndo o risco de desperdiçar a semente (a palavra) o semeador deve sempre semear, o evangelizador deve sempre evangelizar.


* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.