sábado, 30 de agosto de 2014

Profetas e Profetismo em Chave Histórica 03

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
(Material Didático do Curso de Extensão na Faculdade Católica de Fortaleza)

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Profetas anteriores ao exílio da Babilônia (continuação)

2.3 Proto Isaías (ישעיהו, o SENHOR salva): compõe-se dos capítulos 1-39. Em 1892 o estudioso alemão Bernhard Duhm firmou definitivamente a tese de que o atual livro de Isaías foi escrito em três épocas diferentes.

A vocação do profeta é narrada no c. 6: contraposição entre o máximo da santidade (Deus) e a impureza do povo. Judá é como uma vinha bem cuidada e que não produz os frutos esperados (c.5). Contra a situação de idolatria e injustiça virá o Dia do Senhor, quando todas as nações irão a Jerusalém (c.2, mesmo tema de 25,6-9 quando se menciona o pano sobre as nações).  Isaías profetiza contra a atitude de Acaz em fazer aliança com a Assíria para resistir à coalizão (o sinal do Emmanuel, c.7). Ezequias, o filho de Acaz, depois de adulto, rebela-se contra a Assíria e faz uma aliança com o Egito (2Rs 18,7-8.13-37; Is 36-37), fato que é criticado por Isaías.

A queda de Samaria (722 a.C.): Com o fim da coalizão siro-efraimita, Síria passou a província e Israel se tornou vassalo da Assíria. Quando Teglat-Falasar III foi sucedido por Salmanasar V, o rei Oséias, de Israel, rebelou-se e deixou de pagar o tributo. Samaria foi sitiada e destruída, os que sobreviveram foram deportados (2Rs 17,3-6). Sargão II, filho de Salmanasar, fez a troca de populações (2Rs 17,24), dando origem a um povo miscigenado e a uma religião sincrética (2Rs 17,33). Era o fim das 10 tribos.

2.4 Miquéias (מיכה, quem é semelhante ao SENHOR?): Os pecados de Israel e de Judá que provocaram a ruína de Samaria e se não houver conversão acontecerá o mesmo a Jerusalém. Deus vai reunir o “resto” de Israel (Mq 2,12). Esse tema já havia sido tratado por Amós como uma possibilidade (Am 5,15). Para Is 4,3, “resto” será de Judá apenas. O “resto” será apascentado pelo “broto” de Jessé (Is 11,1; Mq 5,1), que será como um leão e as nações como um rebanho (Mq 5,7).

2.5 Naum (נחום, Consolação): Sua profecia é nacionalista. No apogeu do império assírio, pois tinham saqueado vários povos, Naum prometeu a completa destruição de Nínive, a grande cidade, centro da civilização e do comércio mundial, mas sangrenta e cheia de mentiras e roubos (Na 3,1).

2.6 Sofonias (צפניה, o SENHOR ocultou): começou a profetizar no início do reinado de Manassés (686-642 a.C.), talvez o mais ímpio dos reis de Judá, seguiu o modelo terrorista da Assíria e cultuou os deuses daquele império (2Rs 21,5), sacrificando o próprio filho em holocausto (2Rs 21,6). A mensagem central de Sofonias é o Dia do Senhor como purificação ou Dia da Ira (2,1-3). Influenciou a pregação da Idade Média sobre o juízo final.

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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Profetas e Profetismo em Chave Histórica 02

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
(Material Didático do Curso de Extensão na Faculdade Católica de Fortaleza)

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2. Profetas anteriores ao exílio da Babilônia: 

2.1. Amós (עמוס, fardo): nasceu no reino de Judá, mas profetizou em Israel (Am 7,15), no tempo do rei Jeroboão II (783-743 a.C.), numa fase de prosperidade política e econômica, luxo e esplender, mas também de injustiças e culto vazio.

Para Amós não há tanta diferença entre Israel e as nações, pois se estas cometem crimes de guerra, as autoridades à frente do povo de Deus cometem injustiças. Por isso o Senhor julgará a todos. O livro se divide em 3 partes principais: oráculos contra os povos (1-2); oráculos contra Samaria (3-6) e visões de advertência, sobre a proximidade do julgamento e sobre a restauração (7-9).

A existência de injustiças sociais significava a corrupção nos julgamentos: Am 6,12. A religião verdadeira somente é possível quando a vida está vinculada a princípios morais. O culto só tem sentido se as pessoas viverem o que celebram.

2.2 Oséias (הושע, salvação): do Reino do Norte, onde exerceu o ministério, pois não houve mudanças após a pregação de Amós. O livro se divide em duas partes: simbolismo da família de Oséias (1-3); exortações e misericórdia (4-14).

Podemos resumi-lo em: traição, castigo, arrependimento (de Deus), perdão e restauração. Israel não era noiva virgem no Egito, esqueceu o marido, enquanto este lhe preparava uma casa. marido aceitou-a e mesmo assim ela o traiu novamente. E novamente foi acolhida.

Coalizão Siro–efraimita (734 a.C.): Foi uma aliança política entre Síria (ou Aram, capital: Damasco, rei: Rasin) e Israel (ou Efraim, capital: Samaria, rei: Facéia) contra a Assíria (capital: Nínive, rei: Tiglate-Pileser III ou Teglat-Falasar III) e sua política expansionista. Síria e Israel combateram contra Judá (capital: Jerusalém, rei: Acaz).

Acaz pediu ajuda a Assíria (2Rs 16,5-9), que conquistou Israel, restando apenas Samaria, finalmente tomada em 722 a.C. Como preço pelo auxílio da Assíria, Judá perdeu sua independência, Acaz teve que prestar culto, aos deuses assírios e pagar pesados tributos, o que resultou num aumento de impostos sobre o povo (2 Rs 16).

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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Profetas e Profetismo em Chave Histórica 01

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj* 
(Material Didático do Curso de Extensão na Faculdade Católica de Fortaleza)




1. Terminologia

O termo “profeta” provém do grego prophetes (προφήτης) e designa as pessoas que tem a missão de anunciar, comunicar, tornar pública uma mensagem.

Nabî (נביא) é usado mais de 300 vezes para o que chamamos profetas. Trata-se de uma forma passiva do verbo naba' (נבא)significando “o chamado”, isto é, aquele que recebeu uma vocação para ser porta-voz da palavra divina. A ação do profeta depende, fundamentalmente, de um impulso externo de origem divina, não é fruto de sua própria iniciativa. Esse termo tinha uma conotação negativa, por isso o primeiro a se identificar como profeta foi Jeremias (Jr 1,5). Amós recusa-se a ser enquadrado nesta categoria (Am 7,14).



Ro'eh (ראה), derivado do verbo ra'ah, significando “aquele que vê”. De acordo com 1Sm 9,9 “antigamente, em Israel, indo alguém consultar a Deus, dizia: Vinde, vamos ter com o vidente (ro'eh); porque ao profeta (nabî) de hoje, antigamente, se chamava vidente (ro'eh)”. Era alguém capaz de conhecer coisas ocultas e que era consultado a troco de algum dinheiro (1Sm 9,7-8). Exemplos: água amarga (Ex 15,23-25), as jumentas de Cis (1Sm 9,3-9); sopa envenenada (2Rs 4,38-41).

Chozeh (חוזה), aquele que tem visões (chazon, חזון) extáticas ou que as interpreta. Gad, na corte de Davi, é designado como “visionário de Davi” (2Sm 24,11). Sua função era aconselhar o rei a respeito de sonhos e visões.

Profetas da corte: atuam como conselheiros do rei, em cujo nome consultam a Deus a respeito de seus empreendimentos. Este tipo de profetismo, com muita facilidade, tornava-se corrupto, mais preocupado com o que podia agradar ao monarca e não com a autêntica vontade de Deus.

Profetas cultuais: atuavam nos santuários espalhados pelo país, a quem o povo consultava a exemplo dos oráculos da tradição grega (oráculo de Delfos). A associação do sacerdócio com o sacrifício é posterior, no final de um longo processo histórico. Nos primeiros tempos se acentuava mais as funções oraculares dos sacerdotes (1Sm 2,28). O povo ia a eles principalmente “para consultar a Deus” (Dt 33,8-10), ou seja, para saber a vontade divina para casos concretos.

urim e o tumim eram os instrumentos usados na consulta (1Sm 23,6-12), eles eram guardados no peitoral preso ao efod (Ex 28,28-30). Também há o caso mencionado em Os 4,12 (significado incerto de 'ets (עץ) que pode ser madeira, pedaço de madeira, árvore, forca). O livro dos juízes menciona o “carvalho dos adivinhos” (Jz 9,37) e 1Cro 14,14-16 fala sobre os “passos do SENHOR sobre a copa da amoreira”.

Filhos de profetas (בני הנביאיםbene ha nebiim (1Rs 20,35; 2Rs 2,3.5.7.15; 4,1.38; 5,22; 6,1; 9,1. Am 7,14). Elias e Eliseu são apresentados em estreita relação com as comunidades de profetas.
Êxtase: Podia ser provocado por meio de música e dança (1Sm 10,5-6; 1Rs 18,26ss). O profeta com fama de louco: Os 9,7. Nem todo “maluco” é profeta: Jr 29,26.

Fórmula de mensageiro: típica da pregação profética e tirada da linguagem diplomática do Oriente Próximo – “Assim fala o SENHOR”, “Palavra do SENHOR”, “Oráculo do SENHOR”.
Querela jurídica (ריבrib): os profetas apontavam os atos concretos onde o pacto fora rompido A denúncia fundava-se na invocação das cláusulas da Aliança (Os 4,1; Mq 6,1-2).

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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Este é meu Filho amado, em quem me comprazo

Roteiro Homilético para o Batismo do Senhor - 12 de janeiro de 2014
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL

A profecia de Isaías sobre o Servo de Deus é prefiguração da vida de Jesus, o Servo por excelência, totalmente consagrado a Deus para salvar o gênero humano. O evangelho substitui a expressão “meu servo”, da primeira leitura, pela proclamação “meu Filho amado” para indicar a natureza divina de Cristo. O Pai e o Espírito Santo garantem a identidade de Jesus como Filho de Deus e o apresentam aos seres humanos, destinatários da salvação. As palavras de Pedro, no discurso a Cornélio, fazem eco às palavras de Isaías e às do evangelho: Jesus foi ungido por Deus com o Espírito Santo (At 10,38). Em todos os textos bíblicos da liturgia de hoje se afirma que Jesus é totalmente guiado pelo Espírito Santo no cumprimento de sua missão.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 3,13-17): O Espírito de Deus veio sobre ele

Jesus é o Messias, Filho de Deus. João Batista é seu precursor. Da mesma forma, o batismo praticado por João é uma prefiguração do batismo cristão. O batismo de João convocava para o arrependimento e para a conversão. Jesus, sendo justo, não precisava ser batizado por João. No entanto, quis cumprir toda a justiça, ou seja, quis realizar integralmente a vontade do Pai: elevar o ser humano pecador à filiação divina. Com o mergulho nas águas do rio Jordão, o Filho de Deus solidarizou-se com a humanidade pecadora para resgatá-la do pecado e elevá-la à condição de filha de Deus. Em sentido inverso, cada batizado solidariza-se com a vida de Jesus e deve seguir o mesmo caminho de entrega total por amor. Uma entrega de si mesmo, que é o reflexo da entrega do Pai à humanidade para salvá-la do pecado, do egoísmo e do desamor. Na vivência do batismo se realiza a vocação humana do amor a Deus e do amor ao próximo

2. I leitura (Is 42,1-4.6-7): Sobre ele está o meu Espírito

O Servo de Deus, nesse texto de Isaías, é uma personificação de Israel, cuja missão era levar para as nações a justiça e o direito. Isso significa que o povo de Israel estava destinado a exteriorizar a justiça e o direito entesourados nas Sagradas Escrituras e fazer deles um patrimônio das demais nações da terra. Essa missão deveria ser realizada sem a utilização do poder tirânico, comum aos grandes impérios mundiais; a influência de Israel sobre as nações deveria libertá-las da cegueira espiritual e das trevas da idolatria. O Espírito de Deus, agindo no Servo (Israel), possibilitaria a efetivação dessa missão – ou seja, a transmissão das Sagradas Escrituras, até que estas fossem postas em prática por todas as nações. As Sagradas Escrituras seriam o caminho para que os povos chegassem até Deus.

A releitura cristã desse texto bíblico viu em Jesus o pleno cumprimento da vocação de Israel.

3. II leitura (At 10,34-38): Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder

Pedro começou seu discurso na casa de Cornélio (primeiro gentio convertido à fé cristã) reconhecendo as intervenções divinas que o levaram a entender claramente como a salvação foi destinada a todos os povos.

Pedro deu-se conta de que Deus não faz distinção de pessoas. Esse foi um grande passo na compreensão humana da revelação divina. Que Deus ama todas as pessoas e deseja ser adorado por todas as gentes já estava claro para os seguidores de Jesus. Mas até aquele momento se pensava que, se um gentio quisesse seguir Jesus, deveria primeiramente converter-se ao judaísmo para depois ter acesso à salvação. O discurso na casa de Cornélio mostra que Pedro chegou à conclusão de que a mensagem e obra de Jesus estão destinadas a todos, sem exceção. Digna de destaque é a afirmação de que Deus ungiu Jesus “com o Espírito Santo e com poder”: isso significa a chegada do Reino de fraternidade e paz a todos os povos. Os milagres e exorcismos realizados sob a unção do Espírito do Cristo ressuscitado são sinais que atestam a instauração desse Reino na história.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O foco da homilia deve ser a vida cristã sob a ação do Espírito Santo, que nos faz filhos e filhas de Deus. Jesus disse a João: “Convém que cumpramos toda justiça” (Mt 3,15). No sentido bíblico, “justiça” significa “ajustar-se à vontade de Deus”. A justiça que Jesus deseja é o cumprimento perfeito da vontade do Pai. A condição indispensável ao cristão para viver o batismo é deixar-se conduzir pelo Espírito Santo, buscando em tudo a vontade de Deus. A vivência do batismo cristão se efetiva principalmente na luta pela implantação da fraternidade universal, em que todos são filhos do mesmo Pai. Mas a luta do cristão será baseada na não violência: sem “esmagar a cana quebrada” nem “apagar a mecha que ainda fumega” (Is 42,3). Essa luta se dará pela proclamação das exigências de implantação da justiça e do direito. Agindo assim, o cristão estará ajustado à missão do Filho muito amado no qual o Pai se compraz.

Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).