sábado, 28 de abril de 2012

A Theotókos



Sentido Teológico
 
Falar do sentido teológico da afirmação dogmática sobre a Mãe de Deus exige, ao menos, a consideração de dois dados. O primeiro deles é a nomenclatura, pois somente o resgate do sentido mais original do termo Qeoto,koj ilumina muito a questão. Este significa, especificamente, “aquela que pariu um que é Deus”. Em latim se diz “Deípara”. Isso diz muito mais que nossa simples traduçãoMãe de Deus”. Esta última, carrega duas dificuldades, pode se distanciar do centro da afirmação e, por sua ambiguidade, pode obscurecer o sentido.
A segunda dificuldade vem do distanciamento histórico: o Concílio de Éfeso (431), no qual se afirmou a Qeoto,koj. O tema de fundo, no Concílio, não era Maria, como não foi em tempo algum, nem mesmo na Reforma como julgam alguns. A questão girava em torno do Filho. Em Nicéia (325) se afirmou a divindade do Filho, em Constantinopla I (381) a divindade do Espírito Santo. Em Éfeso a questão decisiva era salvaguardar a unidade do Filho: Deus e homem.
Era importante afirmar sua humanidade. Em relação à Maria a pergunta principal é: Maria é mãe do Cristo Jesus (Cristoto,koj) ou mãe de Deus (M,h,thr tou/ qeou/)? A dificuldade que os Pais tentavam dirimir era a compreensão errônea que levava a colocar Maria numa posição de deusa ou semideusa.
Afirmar a “mãe de Deus” poderia insinuar uma anterioridade em Maria, por isso, alguns defendiam o uso do termo Cristoto,koj para referir-se a ela. Contudo, afirmar a Cristoto,koj era arriscado demais, pois poderia levar a uma nova forma de heresia cristológica: uma divisão entre o homem e o divino em Jesus. Assim se afirmou a Qeoto,koj. Maria é Mãe de Deus enquanto mãe de Jesus Cristo, Filho de Deus.
Em última instância, o que estava em jogo era nossa salvação em Jesus Cristo, pois segundo o antigo axioma patrístico “o que não foi assumido não foi redimido”. Paulo nos diz queEle veio ao mundo nascido de mulher” (Gl 4,4) e assim assegura a Encarnação do Verbo. Ele assume a nossa humanidade e, dessa forma, nos redime.
Coube à Maria essa participação mais direta na Encarnação. Aqui reside a importância de Maria na história da nossa salvação: ela colaborou com Deus, é a serva fiel que fez, a exemplo de Jesus, a vontade do Pai. Maria não é mãe meramente biológica, pelo ato físico de parir. Ela torna-se mãe ao acolher a vida do Cristo em seu corpo. “Ela gerou Cristo antes com a que com o corpo”.
 
 
Sentido Espiritual
 
Para refletir sobre o sentido espiritual evocamos uma afirmação de Karl Rahner que diz de forma brilhante quem é Maria: “Maria é a concreta realização do perfeito cristão. Maria é como nós. Jesus Cristo é outrossim um como nós. Mas ele também é Deus. Maria é que é inteiramente uma entre nós. O que ela é nós devemos ser. É por isso que Maria é-nos tão familiar. É por isso que nós a amamos.”
O que se dá corporalmente em Maria se dá espiritualmente em todo ser humano que acolhe a vontade de Deus. Todo aquele que faz a vontade de Deus, gera Deus para o mundo. Nesse sentido todo aquele que faz a vontade de Deus é “mãe de Deus”.
O testemunho do evangelista João é emblemático para revelar quem é Maria e sua função na Igreja: ela é mãe da Igreja porque é a primeira “cristã”. É a primeira a fazer a vontade do Pai como nos ensinou Jesus, por isso, ela pôde dizer em Caná “Fazei tudo o que Ele vos disser”.
Ao da cruz foi dada como mãe ao discípulo amado. Maria em João nunca é nomeada, é sempre a mãe de Jesus. O discípulo também não é nomeado e somos chamados a nos identificar ora com Maria ora com o discípulo. Maria ao da cruz, segundo a interpretação mais comum nos é dada por mãe e esta é a ideia mais presente no imaginário cristão católico. Maria é claramente mãe de todo cristão.
Como filhos, somos chamados ainda, a seguir sua orientação maternal, que não é outra senão, o “Fazei tudo que Ele vos disser”. Essa “orientação mariana”, a coloca em seu legítimo lugar: está sempre referida ao Cristo e não o contrário.
Cirilo de Alexandria, em seu discurso sobre a Theotókos em Éfeso, deixa o Cristo em seu legítimo lugar, no centro de nossa e Maria referida a este. Vejamos um pequeno trecho em que Cirilo louva Maria: “...Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o vencedor da morte e o destruidor do inferno! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o autor da criação e o restaurador das criaturas, o Rei dos céus! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem floresceu e refulgiu o brilho da ressurreição!...”

É sendo fiel ao testemunho da Escritura e à Tradição que seremos verdadeiramente marianos, ou seja, cristãos autênticos porque, como ela, faremos a vontade do Pai como nos revelou Jesus Cristo




Ir. Rita Maria Gomes possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura.


quarta-feira, 25 de abril de 2012

Páscoa Cristã

Márcia Elói Rodrigues*, nj


 

 

A Páscoa, que significa "passagem", é primeiramente a festa judaica em que se comemora o Êxodo (a



libertação dos hebreus da escravidão egípcia). Essa festa, para nós cristãos, ganhou um novo sentido: passagem da morte para a vida.
Nós cristãos comemoramos a passagem da morte de Cristo, causada pelo pecado humano, para a vida em comunhão definitiva com Deus. Nossa páscoa cristã está associada à morte e ressurreição de Jesus Cristo que, na última Ceia, com seus discípulos, realizou o sinal profético de sua entrega ao Pai pelos seus. Nos sinais do pão e do vinho, Jesus celebrou prefigurativamente o dom da Nova e Eterna Aliança, selada no seu corpo e sangue, entregues por amor.
Em Jesus, temos acesso à realidade divina, encontramos nossa finalidade humana: somos filhos de Deus no Filho unigênito. Isto quer dizer que, em Jesus, por ele e com ele, foi dissipado o abismo que havia entre o ser humano e Deus. Nosso acesso ao Pai está aberto para sempre, para todo aquele que acolhe o Cristo como "caminho, verdade e vida" (Jo 14,6). Isto é, seguindo o Cristo na sua opção fundamental pelo amor do Pai, vivido na radicalidade do amor ao próximo, nosso irmão. Nesse seguimento, chegaremos à meta humana desejada por Deus: amar até as últimas consequências.
O que nós celebramos nessa festa pascal não pe a morte de Jesus, acontecida num passado longínquo, na qual apenas relembramos. Celebramos sua vida, morte e ressurreição, evento único e irrepetível na história, mas presente a nós na liturgia, memorial desse mistério de amor.
Na liturgia somos reapresentados a esse evento, ou seja, vamos até ele, participamos da última Ceia, caminhamos com Jesus até o Calvário, e o encontramos na manhã da ressurreição. Na liturgia nos fazemos presentes a esse evento, fundador de nossa fé, de nossa existência como Igreja, de nossa esperança na vida que vence a morte, no perdão que apaga o ódio e a violência.
Celebrar a Páscoa significa que acolhemos em nossa vida concreta as consequências da entrega de Jesus Cristo ao Pai por amor. Que consequências? Somos filhos de Deus, chamados a viver na intimidade da casa paterna. E porque somos filhos, não podemos viver nossa existência de outro modo senão amando nosso Pai e nossos irmãos na doação incondicional de nossa vida no altar do amor. Isso, meus irmãos, é o que celebramos na Páscoa.



Márcia Elói Rodrigues é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, onde também fez mestrado em teologia bíblica