sexta-feira, 25 de agosto de 2017

“Altíssimo é o Senhor, mas olha os pobres” (Sl 137,6)

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*  

Roteiro Homilético para 21º Domingo do Tempo Comum


I. Introdução geral
Nas leituras de hoje está em foco a identidade de Jesus e de seu Pai. Como nos relacionamos com Deus? O que sabemos sobre ele? É um Deus castigador, preocupado em favorecer alguns em prejuízo de outros? Quem é Jesus? É alguém que barganha comigo, que quer o meu dinheiro em troca de milagres? É alguém que atende aos meus pedidos porque estou engajado na Igreja e que deixa pessoas de outras religiões morrerem por causa da fome, da guerra e da violência?

Hoje, mais do que antes, devemos perguntar quem é Jesus. E a resposta a essa pergunta não pode ser dada a partir de fórmulas decoradas. A resposta sobre a identidade de Jesus, e do Deus Uno e Trino, tem de ser uma resposta prática, não teórica. A minha vida deve dizer quem é Cristo para mim. Somente a vivência da fé, desde o mais íntimo do coração, até se traduzir em doação e serviço ao próximo, pode mostrar o que significa, para mim, Jesus como manifestação de Deus. Somente quando nos identificarmos com Jesus, termos para com o Pai a mesma atitude que ele teve e nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo é que poderemos compreender quem é Jesus.

II. Comentário dos textos bíblicos
1. Evangelho (Mt 16,13-20): eu te darei as chaves do Reino
O trecho do evangelho nos diz que Jesus se retirou com os discípulos para um território pagão. Com essa atitude, ele quer demonstrar a missão de Jesus estendida a todos os povos. É necessário que os discípulos saibam com clareza quem é Jesus e qual missão ele veio realizar, porque os discípulos serão os continuadores de Jesus.

A pergunta “quem dizem que eu sou?” trouxe uma diversidade de respostas da opinião popular que foram ouvidas pelos discípulos ao longo do ministério público de Jesus. As pessoas demonstram respeito e gratidão para com a pessoa de Jesus, mas compreendem a identidade dele a partir do Antigo Testamento, como um grande profeta, e não se dão conta da novidade que ele veio trazer.

Os discípulos, representados por Pedro, dão um passo além na interpretação da vida de Jesus. Ele é o Messias ou o Cristo, mas os discípulos têm ainda uma concepção nacionalista e triunfante sobre o Messias. À primeira vista, Pedro respondeu de maneira acertada à pergunta de Jesus, mas, assim como o povo, não percebe nenhuma novidade a respeito da forma como Jesus vive a messianidade. A resposta que Pedro deu é a resposta dos discípulos, que disseram o mesmo ao ver Jesus andar sobre as águas (Mt 14,33).

Aqui encontramos pela primeira vez nos evangelhos o termo “Igreja” para designar a comunidade cristã, porque a Igreja é alicerçada na pedra que é a confissão de fé feita por Pedro e pelos discípulos. Aqui surge a Igreja como comunidade que professa a fé em Jesus, o Cristo, o Filho de Deus.

Por isso Pedro recebe as chaves, quer dizer, recebe o serviço de agir como um pai que em tudo procura o bem dos filhos, um pai que age à maneira do Pai de Jesus. Dessa forma, sobre a base firme e irremovível da confissão de fé, sobre a qual se edifica a Igreja, Pedro recebe o encargo de cuidar da casa e fazer com que todos os povos sejam acolhidos nessa família espiritual de Jesus.

2. I leitura (Is 22,19-23): a chave da casa de Davi
A primeira leitura refere-se a um episódio da vida do palácio real no Reino de Judá. Um alto funcionário detentor “das chaves do palácio”, quer dizer, que tem encargo de administração, é substituído nas suas funções. Esse episódio mostra a função do mordomo do palácio: em seu poder estão as chaves do palácio real; ele decide a quem ajudar com os bens do soberano e define quem é atendido em audiência pelo rei. Mas aquele que possui “as chaves” do palácio foi demitido de suas funções, despojado das insígnias de sua autoridade (a túnica e a chave do palácio). Foi destituído de suas funções porque esqueceu que autoridade é serviço, que estava nessa função para que todos pudessem ficar bem, ter a partilha, os bens que supririam necessidades básicas e o acesso à justiça.

Essa leitura nos ajuda a entender a passagem do evangelho na qual Jesus dá a Pedro as chaves do reino de Deus.

3. II leitura (Rm 11,33-36): “Tudo é dele, por ele e para ele” (Rm 11,36)
Na segunda leitura, Paulo nos encanta com um belo hino de louvor, no qual o Apóstolo adora a Deus, reconhecendo quão misterioso é o projeto divino da salvação. Após refletir sobre o projeto salvífico, Paulo chega à conclusão de que os desígnios misteriosos de Deus ultrapassam a capacidade humana de compreensão. Deus é desconcertante, a lógica divina é completamente diferente da lógica humana. Nesse sentido é que o verdadeiro cristão é aquele que, mesmo sem entender o alcance do projeto de Deus, se abandona confiantemente em suas mãos.

Mas esse abandono confiante somente é possível quando conhecemos, por experiência de vida, que Deus é um Pai amoroso, quando não nos fechamos no orgulho e na autossuficiência e acolhemos, com gratidão, os seus dons. Sem termos experimentado um pouco que seja da identidade de Deus, não teremos coragem de nos abandonarmos em suas mãos para ter a vida e a morte que ele quiser para nós.

III. Pistas para reflexão
Ser cristão significa responder à pergunta de Jesus quanto à identidade dele. Uma resposta que não seja dada de maneira teórica, pois é insuficiente, mas uma resposta com atitudes de vida que ele exige de mim hoje.

A resposta correta acerca de “quem é Jesus” somente será possível quando eu descobrir em Jesus a presença de um Deus misericordioso e quando eu fizer com que as demais pessoas descubram, em meu modo de viver o cristianismo, a identidade de Jesus. Essa é a tarefa primordial do cristão.

A comunidade celebrante deve ser exortada a tomar cuidado com as noções de Deus que são apresentadas às pessoas – isso pode afastá-las mais que aproximá-las de Deus. Nossa grande tentação é fazer Deus parecido conosco, ranzinza como nós somos, justiceiro e vingativo como gostamos de ser. Deus não se encaixa em teorias ou padrões humanos, não age conforme nossa lógica. Ele é o Altíssimo que se abaixa até o pobre e o tira do monturo (Sl 113,7).

O cristão não é aquele que “sabe” tudo sobre Deus, mas aquele que sabe que jamais será desamparado por Deus e se entrega confiantemente nas mãos dele.

Publicado originalmente em: http://www.vidapastoral.com.br/roteiros/21o-domingo-do-tempo-comum-27-de-agosto/

* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

sábado, 5 de agosto de 2017

Transfigurou-se diante deles (Mt 17,2)

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*  

Roteiro Homilético para Solenidade da Transfiguração do Senhor  – 6 de agosto


 

Introdução geral

As leituras deste domingo destacam a transfiguração de Jesus como prefiguração de sua ressurreição. Mas a experiência que os discípulos fizeram com Jesus, Moisés e Elias não está desvinculada do caminho para a cruz. A manifestação do Cristo transfigurado plenificando a missão de Israel (ali representado por Moisés e Elias) não tem sentido sem o desfecho da cruz e sem o chamado divino aos discípulos para escutarem Jesus. Crucifixão e transfiguração se complementam mutuamente, pois somente quando nos desvencilhamos de tudo que nos impede a caminhada e subimos o monte é que podemos entender a voz de Deus, que nos convida a levar a sério o que Jesus nos diz através da própria vida e a seguir o mesmo caminho que ele seguiu, a via crucis que leva à ressurreição.

II – Comentário dos textos bíblicos

1. Evangelho (Mt 17,1-9): “Suas roupas ficaram alvas como a luz” (Mt 17,2)

Os discípulos, Moisés e Elias estão presentes com Jesus no monte da transfiguração. Moisés e Elias são os principais representantes da fé israelita, quer dizer, a Lei (Pentateuco) e os profetas, assinalando que o caminho de Jesus – rejeitado pelos líderes religiosos de Israel como perigoso para a identidade e esperança do povo – cumpre tudo que a Escritura afirmava do Messias. Os discípulos representam a comunidade de Jesus em todas as épocas. Eles serão os mensageiros da experiência de ressurreição, aberta a todos os povos da terra, experiência prefigurada na transfiguração.

A revelação acontecida no monte da transfiguração mostra que Jesus não se identifica com Elias, como alguns supunham, nem com Moisés. Jesus é o Messias, o Filho de Deus que cumpre e plenifica as funções de Moisés e de Elias, os grandes vocacionados do povo da aliança.

Como a lei judaica exige sempre o testemunho de duas pessoas para que as palavras e as ações de alguém tenham crédito, temos aqui Moisés e Elias, personagens do passado de Israel, oferecendo seu testemunho sobre Jesus. Além deles, temos a voz divina que identifica Jesus como Filho de Deus, muito maior que os personagens do Antigo Testamento pelos quais Deus havia se revelado no passado. Na transfiguração, Jesus aparece como a revelação definitiva de Deus.

Mas o texto aponta também para o futuro, pois evoca uma experiência de ressurreição. A glória de Deus que brilha em Jesus não apenas plenifica o caminho de Israel, mas insere os discípulos, ou seja, a Igreja, no caminho de entrega da vida que Jesus fez na cruz. Nesse momento, a voz divina os chamou para participar da ressurreição; nesse evento, eles foram convocados a ser testemunhas do Ressuscitado, mas não sem a entrega da vida e o serviço ao próximo.

A transfiguração é apenas uma prefiguração, não uma experiência pascal completa, porque Jesus ainda não havia passado pela cruz. Para que a transfiguração fosse completa, os discípulos foram convidados a tomar o caminho da entrega da vida, que culminaria na autêntica Páscoa. Por isso não lhes foi permitido fazer as três tendas; eles necessitavam descer o monte e doar a vida. O desejo dos discípulos de ficar ali para sempre, numa glorificação antecipada, sem cruz, não pôde se cumprir enquanto tantas pessoas ainda sofriam na terra.

O desejo de glória, de um discipulado sem sofrimento, não passa de um sonho. A voz de Deus os desperta e convida a escutar Jesus, quer dizer, a seguir o caminho concreto da morte pelo reino de Deus.

A nuvem no monte representa o novo e definitivo Sinai, sinal da plenitude da vocação de Israel e do início da missão da Igreja, a qual doravante testemunhará, ao longo da história, que o caminho da entrega do Filho de Deus na cruz pela humanidade é um caminho de glória, que a morte não tem a última palavra e que, portanto, todo aquele que aceita o convite de Deus participa tanto da cruz quanto da ressurreição de Jesus.

2. I leitura (Dn 7,9-10.13-14): “Sua veste era branca como a neve”
(Dn 7,9)

O trecho da primeira leitura está inserido num contexto literário no qual o autor se mostra decepcionado com a forma como o poder é exercido na terra: há muita opressão e violência promovidas, principalmente, pelos governantes. Então Daniel tem uma visão consoladora: os poderes políticos da terra não têm a última palavra; a opressão e a violência cederão espaço ao reino de Deus.

Daniel mostra que os reinos terrenos se contrapõem ao reino de Deus, mas todos deverão prestar contas ao justo juiz. Os violentos não permanecerão para sempre fazendo a violência, seu poder passa, somente o reino de Deus jamais terá fim. Os poderes opressores perderão a hegemonia, seu fim já está assinalado, as forças que se contrapõem a Deus e fazem deste mundo um ambiente feio e hostil ao bem serão submetidas ao poder do Filho do Homem, que age em nome de Deus.

O Filho do Homem é verdadeiramente humano, mas sua origem é divina, pois ele vem sobre as nuvens do céu. E vem para inaugurar um reino diferente que conduz a história da humanidade à sua plenitude, fazendo com que o bem, a justiça e o amor sejam as cores que pintam o novo mundo belo e agradável a Deus, um mundo transfigurado.

3. II leitura (2Pd 1,16-19): “Como lâmpada que brilha no escuro” (2Pd 1,19)

Nessa leitura, a segunda carta de Pedro faz uma alusão ao relato evangélico da transfiguração do Senhor. Ao retomar a narrativa da transfiguração, o texto petrino deseja incutir a fé na volta de Jesus, sua segunda vinda em glória. A transfiguração seria uma prefiguração da glória com a qual o Senhor está revestido e será manifestado no fim dos tempos. Cristo virá não mais como um servo, um humilde carpinteiro de Nazaré, mas aparecerá com a mesma glória com a qual foi visto pelos apóstolos no monte da transfiguração.

Os apóstolos dão testemunho de que viram o Cristo transfigurado e se reconhecem portadores de uma graça muito maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que revelava Jesus como Filho de Deus. Portanto, o testemunho dos apóstolos sobre a transfiguração deve sustentar a fé e a esperança de que Cristo voltará uma segunda vez.

Na transfiguração, Jesus já mostrou aos apóstolos os aspectos essenciais que se manifestarão em plenitude na sua segunda vinda: majestade, honra e glória recebidas do Pai. Isso deve manter acesa a chama da esperança num mundo melhor. As dores, sofrimentos e problemas pelos quais passamos agora não existirão para sempre. O Cristo transfigurado é a prova de que a glória de Deus supera tudo isso.

III. Pistas para reflexão

A homilia deve destacar que a transfiguração significa que na vida humana de Jesus já se pode ver a glória de Deus. Jesus transfigurado não é um anjo distante da terra; é o nazareno, que iniciou um caminho de doação da vida a serviço de todos e, principalmente, dos mais sofridos – doação que terá seu ápice na cruz. O episódio das vestes resplandecentes no monte não é uma negação da cruz. Ao contrário, a transfiguração é a expressão do sentido salvífico da cruz. A transfiguração somente pode ser compreendida no horizonte da entrega, da renúncia feita por Jesus ao longo da vida. Não existe um Cristo glorioso sem que haja um Jesus crucificado. A transfiguração serve de apoio para a espera da volta de Jesus. Serve para manter acesa a chama da esperança quando passamos pelas cruzes dolorosas. Como na recitação do rosário, os mistérios gloriosos vêm depois dos mistérios dolorosos.

Publicado originalmente em: http://www.vidapastoral.com.br/roteiros/transfiguracao-do-senhor-6-de-agosto/

* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Vossa vontade vale mais que ouro e prata (Sl 118,72)


Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*  

Roteiro Homilético para 17º Domingo do Tempo Comum

I. Introdução geral

As leituras de hoje nos falam sobre a prioridade fundamental em nossa vida, o reino de Deus. Esse aspecto é muito atual, porque nossa época revela uma crise de valores. Todos os dias vemos, nos meios de comunicação, uma verdadeira batalha para vender ideologias, que vão desde fórmulas para emagrecimento instantâneo até milagres e exorcismos. Isso mostra quanto estamos acostumados a colocar em primeiro lugar, em nossa vida, os interesses particulares e egoístas. As leituras de hoje nos exortam a saber distinguir o verdadeiro do falso, a discernir os valores e a acolher o valor mais alto que deve sobrepor-se a todos: a vontade de Deus a ser praticada em nosso cotidiano.

Santo Inácio de Loyola nos orienta que o ser humano deve usar de tudo que possa ajudá-lo a atingir a “finalidade para a qual foi criado”, que é sua salvação, e, da mesma forma, deve desvencilhar-se de tudo que o impede de alcançá-la (Exercícios Espirituais, n.23).


II. Comentário dos textos bíblicos

1. Evangelho (Mt 13,44-52): o reino de Deus é como um tesouro, uma pérola

Na parábola narrada por Jesus, o reino de Deus aparece como o maior de todos os tesouros, a joia mais rara, que todos deveriam querer para si e fazer todas as renúncias para conseguir. Além disso, o reino de Deus é um dom que todos podem encontrar, pois nos foi legado por Jesus.

As duas parábolas, a saber, a do tesouro e a da pérola, nos colocam diante do máximo valor, mas, ao mesmo tempo, exigem de nós o maior desprendimento: há que deixar algo por ele, há que renunciar a tudo para conseguir o tesouro e para obter a pérola. É um paradoxo: sendo puro dom, contudo, exige uma opção radical.

O Reino é tarefa e compromisso, um caminho e um modo de viver. O Reino se identifica com o modo de viver de Jesus, pois é compromisso de amor, de acolhida e de misericórdia e justiça. É a presença de Deus no interior do ser humano, que se traduz em gesto de amor para com todos. O Reino implica uma escolha radical, de tal forma que nada deve nos impedir de participar dele. E supõe que se tenha deixado tudo para seguir Jesus.

2. I leitura (1Rs 3,5. 7-12): vossa sabedoria, ó Senhor, vale mais que as riquezas

Os reis dos povos antigos pediam a seus deuses vida longa, segurança nacional, exército invencível, prosperidade e um poder duradouro. Também os reis de Israel pediam ao Deus da aliança vida longa, preferencialmente, além da derrota dos inimigos e riquezas; e tudo isso esperavam do Senhor, pois em nome de Deus governavam o povo eleito.

Nessa primeira leitura, Salomão fez a Deus um pedido discreto e criterioso: pediu sabedoria para discernir, para saber conciliar e fazer justiça. Ou seja, Salomão escolheu pedir os dons mais essenciais para liderar corretamente seu povo. Ele soube reconhecer os valores mais elevados que as riquezas ou a derrota de seus inimigos.

Salomão sabia que, perante as coisas deste mundo, ele era um instrumento de Deus, um intermediário através do qual Deus agia em relação ao povo eleito. E para saber como se posicionar diante de todas as coisas sem deixar de ser fiel à vontade de Deus, fazia-se necessário ter sabedoria para bem se conduzir na vida.

Salomão foi elogiado por Deus porque soube discernir o que é mais precioso para quem tem fé.

3. II leitura (Rm 8,28-30): o Senhor é nossa herança, ele nos criou por amor

A segunda leitura afirma que somos predestinados. O que isso significa? Ao escrever isso, Paulo tem em mente que, desde toda a eternidade, Deus tem um projeto de amor, a saber, a salvação do ser humano. Significa que a salvação do ser humano está prevista nos planos de Deus desde sempre; é nesse sentido que somos predestinados, ou seja, no sentido de que isso estava previsto, faz parte do plano divino.

Santo Inácio de Loyola nos diz que fazer a redenção humana é uma decisão das Três Pessoas Divinas (Exercícios Espirituais, n.107). A redenção ou salvação faz parte do amor de Deus pelo ser humano, amor gratuito e incondicional que está aberto a todos, e não restrito a um grupo seleto de pessoas.
A salvação prevista no plano de Deus não é algo abstrato, mas significa que quem aderir a Jesus, vivendo como ele viveu, identifica-se com ele e, por isso, liberta-se do egoísmo e do pecado. Para isso, o Espírito Santo vem em nosso auxílio em todas as circunstâncias da vida, e, por isso, tudo concorre para o nosso bem.

Dizer que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (v. 28) não é no sentido de que tudo vai dar certo, que nada de ruim vai nos atingir e que seremos blindados contra os dissabores da vida, como muitos pregam hoje em dia. Significa que Deus fará com que todas as circunstâncias, inclusive as coisas ruins que nos acontecem, concorram para a nossa santificação. Tudo o que nos acontece fica submetido à finalidade principal de nossa vida, que é a salvação e a participação no reino de Deus, para as quais fomos criados.

As coisas ruins que nos acontecem devem servir para nos ajudar no caminho da santificação, porque nada que nos acontece poderá mudar o projeto de Deus que é nos levar à plenitude do Reino. Mas tudo isso exige sabedoria para colocar em primeiro lugar o reino de Deus, o verdadeiro valor de nossa existência.

III. Pistas para reflexão

A homilia deve despertar na assembleia a importância de saber escolher e de valorizar o que realmente é importante. Saber que nossa melhor escolha é por Deus e pelo seu    reino de justiça, misericórdia e paz. Que Deus é nosso maior bem; ele está conosco e cuida de nós. Seu Espírito nos envolve e transforma tudo que nos rodeia num bem para nossa santificação.

Ser cristão não é pertencer a uma elite predestinada de vencedores que não passam por nenhum desconforto, incômodo, problema ou sofrimento. Ser cristão é optar por Cristo e pelo seu estilo de vida, que pode nos levar à cruz. Contudo, não ficaremos desamparados nem abandonados. Deus cuida de nós, e o Espírito Santo transforma tudo que nos acontece em motivo de plenificação de nossa vocação à santidade. Sofremos, mas somos felizes porque Deus está conosco; pior é sofrer sem ter o conhecimento do amor de Deus.

Publicado originalmente em: http://www.vidapastoral.com.br/roteiros/17o-domingo-do-tempo-comum-30-de-julho/

* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).