segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A salvação está próxima

Roteiro Homilético para o 1o. Domingo do Advento - 01 de dezembro

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL

O tema principal do Tempo do Advento é a espera por Jesus. Anunciada pelo Antigo Testamento, a vinda do Messias instauraria um novo modo de viver com consequências mundiais. A rotina das pessoas, seus afazeres mais corriqueiros, seria motivada pela paz e pela concórdia. Os instrumentos da discórdia, simbolizados pelas armas, não teriam mais nenhuma utilidade.

Na segunda leitura, Paulo chama a atenção para a espera da parusia (segunda vinda de Cristo) como uma luta contra as forças das trevas, a começar em cada um de nós mesmos, depois no mundo. A espera pelo Senhor é um tempo de graça no qual todas as pessoas são chamadas a demonstrar em seus atos cotidianos que configuram a própria vida à de Cristo.

E o evangelho nos exorta que a espera pela vinda do Senhor deve ser marcada pela vigilância. O Senhor vem à semelhança de um ladrão. As pessoas estarão em suas ocupações diárias e serão tomadas de surpresa. A motivação interna com a qual realiza sua práxis é que determinará se a pessoa é cristã ou não.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 24,37-44): Ficai preparados

O texto do evangelho de hoje vem nos dar orientações sobre como esperar a segunda vinda de Cristo. A parusia é um tema frequente nos discursos de pregadores sensacionalistas com o intuito de comover as multidões. O Senhor ensinou o que necessitamos para esperar esse tempo. Tudo o demais é especulação inútil.

A vinda de Cristo será inesperada (vv. 37–39). E, para esclarecer isso, o texto faz duas comparações:

1) Noé – nenhum sinal especial (vv. 37–41). Para ilustrar o fato de que ninguém pode saber o dia e a hora (v. 36), Jesus cita o caso de Noé, quando, de repente, o dilúvio caiu inesperadamente sobre as pessoas enquanto cumpriam as rotinas diárias (vv. 37–39). A seguir descreve dois casos – um masculino e outro feminino – como exemplos de como será a parusia de forma totalmente inesperada (vv. 40, 41). As pessoas estarão em suas ocupações habituais. Quando Cristo vier, o tipo de ocupação da pessoa não determina ser escolhido ou não (vv. 40, 41; dos dois ocupados na mesma coisa um será escolhido e o outro não). Significa que os cristãos não são diferentes dos demais em suas ocupações, a diferença está na vivência dos valores do reino que motiva suas opções.

2) O ladrão – vigilância (v.43). A vinda de Cristo está anunciada e é certa, porém apenas Deus sabe quando será. O importante é estar preparado. E aquele que vive uma autêntica práxis cristã espera com constância a vinda de Cristo para instaurar o seu reino definitivo.

2. I Leitura (Is 2,1-5): Caminhai à luz do Senhor

Na primeira leitura de hoje, o profeta Isaías nos esclarece sobre a importância de Jerusalém nos tempos messiânicos. Por causa do Messias, o monte Sião, sobre o qual aquela cidade foi construída, se tornará o centro espiritual para todas as nações. O profeta pensa no Messias como um rei de um império mundial cuja capital seria Jerusalém. As nações do mundo inteiro, governadas pelo Messias, abandonarão seus ídolos e adorarão o verdadeiro Deus de Israel.

A Cidade Santa será o centro mundial de instrução e de irradiação da Palavra de Deus. As nações se encaminharão para Jerusalém porque reconhecerão que a Palavra de Deus (a Lei) é a fonte da verdade. Elas têm desejo de se aproximar do Senhor. Elas decidirão andar nos caminhos de Deus fazendo a vontade divina. Isso significa que as nações governadas pelo Messias não serão obrigadas a servir ao Deus de Israel, elas decidirão livremente adorá-lo.

Não haverá mais disputas, o rei da paz conciliará os povos e o monte Sião, ou seja, Jerusalém, capital do reino messiânico, será o local a partir do qual a paz e a justiça vão se propagar. As armas não terão mais nenhuma utilidade, por isso serão transformadas em ferramentas de trabalho. Isso mostra que a esperança messiânica do Antigo Testamento consistia principalmente na espera por um novo modo de viver. As atividades cotidianas permaneceriam, mas não teriam como motivação a discórdia e sim a paz. Numa interpretação cristã desse texto podemos afirmar que o profeta vislumbra o cristianismo, e se não constatamos esse estilo de vida nesses dois milênios de fé cristã talvez seja porque não vivemos verdadeiramente como cristãos, por não termos consciência do que seriam os tempos messiânicos instaurados por Jesus Cristo.

A vida nova que o profeta vislumbra para a era messiânica deve ser o mais profundo desejo dos seguidores do Cristo que aguardam a plenificação de sua obra salvífica, quando se manifestar a Jerusalém celeste onde todos viverão como irmãos na família de Deus. Ele será o sol da nova criação e todos os povos andarão à sua luz.

3. II Leitura (Rm 13,11-14a): Revistamo-nos das armas da luz

Paulo exorta os cristãos a tomarem consciência de que já estão vivendo na escatologia, ou seja, nos tempos finais, embora essa realidade ainda não seja plena. Portanto, a existência cristã, nesse tempo da graça (kairós) deve estar em conformidade com a vida de Cristo. Os cristãos são chamados a demonstrar através de seu estilo de vida que são seguidores de Cristo.

Os cristãos não devem ficar inertes, à semelhança de quem está dormindo, quando as circunstâncias exigem que lutem contra as trevas, a começar em si mesmo.

Paulo elenca uma lista de vícios (bebedeiras, contendas, ciúmes etc.) como exemplos do que seriam as obras das trevas (noite) em contraste com as obras do dia (vida nova em Cristo ressuscitado).

O cristão já está revestido de Cristo pelo batismo, mas essa identificação com Cristo deve dar frutos na vida cotidiana até que ele venha.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O esclarecimento sobre a identidade do cristianismo foi sempre uma preocupação desde os mais remotos tempos da era cristã. A Carta a Diogneto, escrita no século II d.C. por um autor desconhecido, assim descreve a vida cristã:

Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal (Carta a Diogneto 5,1-4).

A homilia deve dar um enfoque especial ao testemunho de vida como elemento essencial da identidade cristã e esclarecer sobre grupos que se apegam a aspectos superficiais distraindo as consciências da verdadeira vocação do cristão.

Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Um Reino preparado para nós

Roteiro Homilético 34o. Domingo do Tempo Comum - Cristo Rei

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL

Ao longo do ano litúrgico, fizemos a experiência com Jesus que veio “para servir e não para ser servido”. Hoje celebramos a sua elevação à condição de rei. Todos os espectadores da crucifixão esperam que Jesus se livre da cruz, pois é isso que faria qualquer um dos poderosos desse mundo. A prova da realeza ou do poder de Jesus seria o fato de safar-se da cruz. Mas o reino do qual Jesus é rei não é deste mundo, isso significa que a autoridade dele não vem da terra. É um reino diferente, não estabelecido pelas forças das armas, mas com outro tipo de poder, a saber, a doação da própria vida na cruz para nos libertar do pecado e da morte. Nós já participamos do reinado de Jesus Cristo. E enquanto esperamos sua plenitude no fim dos tempos, devemos nos comprometer com seus valores, vivendo o “já” e o “ainda não” desse reino que irrompeu na história.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Lc 23,35-43): Lembra-te de mim no teu reino

O trecho do evangelho de hoje nos mostra Jesus sendo crucificado entre dois malfeitores. Lucas o apresenta com traços típicos de um mártir que, com sua fidelidade e força de oração, obtém a salvação para seus perseguidores.

No Evangelho de Lucas, os que se encontravam com Jesus eram compelidos a fazer uma escolha: aderir ou rejeitar Jesus. Na hora de sua morte, ponto crucial do evangelho, o leitor é convidado a fazer sua escolha. Também aparecem aqui duas mentalidades que perpassaram todo o evangelho, duas maneiras de compreender o messianismo de Jesus. Entender a missão de Jesus é essencial para poder aderir ao seu projeto salvífico. São dois ladrões que representam duas compreensões messiânicas.

O primeiro ladrão representa aqueles que concebem um messias dotado de poderes prodigiosos, que deveria descer da cruz e libertá-los consigo. Assim, seria mais espetacular seu triunfo.
O outro ladrão é o oposto, pois reconhece em Jesus o enviado de Deus, um justo que não merecia estar ali. Este pede que Jesus se recorde dele quando estabelecer seu reino no momento “escatológico” (fim dos tempos).

A resposta de Jesus, suas últimas palavras, acentua o “hoje” de Deus: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Quem acolhe Jesus participa de forma definitiva da vida em Deus, não em um futuro distante, mas no hoje. Ou seja, o futuro escatológico da salvação plena já está presente. O paraíso não é um lugar, mas participação na felicidade com Cristo (cf. Fl 1,23). Lucas prefere não identificar o reino geograficamente, pois este se faz “dentro” de cada um (17,21). O reino começa a acontecer na vida daquele que acolhe Jesus e se deixa conduzir por ele. Estar com Jesus não significa simplesmente estar em sua companhia, mas participar de sua realeza.

Na cruz, Cristo aparece dispondo, ele mesmo, da sorte eterna de um homem. E isto é poder de Deus. Em Jesus se manifesta todo o amor de Deus, que desce ao nível mais baixo para elevar a si a criatura humana. Esse é o poder do amor.

2. I Leitura (2Sm 5,1-3): Rei e pastor

Os anciãos, ou seja, os líderes das tribos de Israel reconhecem Davi como escolhido de Deus para “apascentar” e “chefiar” o povo. São esses os critérios para a escolha de Davi como “rei” de todo o Israel: (1) parentesco entre o rei e o povo (são uma só carne e ossos), isto é, o monarca vai agir com a mesma preocupação que um pai de família tem para com seus filhos; (2) experiência para defender as tribos contra os inimigos; (3) e principalmente, reconhecimento dos sinais divinos de que Davi fora escolhido por Deus para essa função de líder.

Em vez do verbo “reinar”, o texto de 2Sm 5,2b usa o termo “apascentar” ou “pastorear”, da mesma raiz (hebraica) de “acompanhar” e de “ser amigo”. A tarefa principal do “rei” é proteger, além de conduzir e de cuidar. Conforme Ez 34,23, o vocábulo “pastor” era aplicado aos reis. O texto litúrgico também destaca que Davi será “chefe”, no sentido hebraico isso significa que ele terá autoridade limitada e estará subordinado a outro poder, pois somente Deus é rei sobre Israel. A liderança era carismática, ou seja, escolhida por Deus, e o poder era exercido como representatividade.

O líder de Israel jamais seria um rei no sentido próprio do termo, mas um mediador entre Deus e o povo. E sua principal função era assegurar a realeza de Deus sobre as pessoas. Em relação ao povo, a mediação consistia em promover o bem-estar de todos por meio do exercício da justiça e da defesa militar. Em relação a Deus tratava-se, principalmente, de promover a obediência ao propósito divino expresso na aliança.

A verdadeira realeza, de Deus, tornava condicional a função do chefe do povo. O líder de Israel recebia a missão de governar, através de uma eleição popular unida à unção divina (um oráculo profético). Dessa forma o líder de Israel era escolhido por Deus e pelo povo.
Considerando-se que o único rei de Israel era Deus, a liderança tornava-se, também temporária. O rei poderia ser deposto a qualquer momento caso não exercesse adequadamente as funções para as quais tinha sido escolhido.

3. II Leitura (Cl 1,12-20): O reino de seu Filho bem amado

Esse hino da Carta aos Colossenses é um dos mais antigos cânticos de ação de graças do Novo Testamento. Muito anterior à própria epístola na qual hoje se encontra, era cantado durante a celebração da fração do pão, modo como a Eucaristia era chamada antigamente.

Como um dos hinos mais importantes do Novo Testamento, exalta a ação de Cristo como mediador da redenção e da nova criação e sua atuação no mundo em todos os tempos. A ressurreição de Cristo ocupa papel central, ela faz a conexão entre o senhorio de Cristo sobre a história, sobre o cosmos e sobre a igreja.

A afirmação inicial é que Deus fez um ato de libertação, quer dizer, resgatou a humanidade de uma situação de opressão, identificada com a expressão “império das trevas” ou “tirania das trevas”. Esse resgate implica num traslado que foi feito de uma tirania para o reino de seu Filho bem amado. Essa metáfora era repleta de sentido naquela época, já que uma situação oposta era muito corriqueira: ver uma multidão de pessoas sendo levadas cativas de um reino a outro.

O reino é descrito como pertencendo ao seu Filho bem amado, ou numa tradução literal, “Filho do seu amor”, ou seja, em quem Deus depositou todo o seu amor. Esse reino, assim descrito, é poder de Deus em ação a favor da humanidade por meio da vida de Cristo.

Esse traslado significa que o reino irrompeu na história, então não devemos esperar o final dos tempos para participarmos dele. Mas essa participação exige do ser humano um compromisso radical que poderá trazer conflitos com os antivalores do mundo.

Estamos esperando o pleno desabrochar do reino no fim dos tempos, mas a celebração de hoje nos exorta que já estamos no reino de Deus. Temos que viver o “já” e o “ainda não” de sua plenitude.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O presidente da celebração poderia chamar a atenção da assembleia para dois aspectos principais da liturgia de hoje:

- o sentido da autoridade de Jesus e dos cristãos que difere daquela praticada pelos poderosos desse mundo. O poder de Deus e de seus representantes está vinculado à doação da vida para que esta seja plena em todos;
- o compromisso com os valores do reino de Deus é o que nos torna verdadeiramente cristãos participantes da vida divina.

Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Levantar-se-á o Sol da Justiça

Roteiro Homilético 33o. Domingo do Tempo Comum

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia de hoje aborda o tema do julgamento, mostrando que Deus não pode ser manipulado nem comprado. O “tribunal” de Deus não favorece uns em detrimento de outros. Por isso, quem clama por justiça verá que ela acontecerá. No entanto, em Deus justiça e misericórdia andam juntas e não são contrárias uma à outra. Deus é justo sendo misericordioso, e é misericordioso sendo justo.

O tema do julgamento está vinculado ao do último dia. Muitas pessoas temem falar sobre esse assunto, mas a liturgia nos adverte que é necessário estar sempre preparados enquanto o Senhor não vem. A ênfase dada pelos textos não se concentra no medo do inferno nem em eventos históricos desastrosos nem em cataclismos da natureza. Os textos focalizam a ação de Deus na destruição do mal, na implantação da justiça sobre a terra e na ação dos cristãos, a saber, dar o testemunho de fé.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Lc 21,5-19): Não tenhais medo

O texto de hoje utiliza-se de um recurso literário muito usado na apocalíptica judaica, o testamento de herói. É uma das formas de mostrar a continuidade da história, do plano divino da salvação em tempos difíceis. Consiste, principalmente, em discursos do pseudoautor antes da própria morte/ascensão, nos quais desvela o futuro dos destinatários e faz exortações a que permaneçam na fidelidade a Deus. Por meio desse recurso literário, o verdadeiro autor interpreta para os seus contemporâneos os acontecimentos desastrosos, e assegura-lhes que Deus fará os fiéis vitoriosos sobre o mal.

O texto começa com a observação sobre o templo de Jerusalém, e prossegue com a afirmação de Jesus de que tudo será destruído. As palavras de Jesus querem responder a duas perguntas: quando vai acontecer e quais os sinais indicativos da proximidade do fim dos tempos. Essas perguntas são fundamentais para as comunidades do final do século I d.C.

Jesus diz aos discípulos quais são os sinais; estes não são uma indicação da proximidade do fim dos tempos, mas uma garantia de que certamente a parusia virá. Por isso, os discípulos não devem ter medo diante dos rumores sobre o fim, pois o dia e a hora não são conhecidos. Enquanto a parusia (a vinda de Cristo) não acontece, os discípulos são exortados à fidelidade, principalmente em tempos de perseguição, como é desenvolvido nos vv. 12-17. Contudo, o mais importante é saber que quando chegar o fim será pelo testemunho de fé que os discípulos serão salvos.

2. I Leitura (Ml 3,19-20a): Sereis livres

O texto de Malaquias enfrenta o problema do malvado que prospera enquanto o justo sofre. É compreensível se fazer certas perguntas: que vantagem há em ser bom? De que vale praticar os mandamentos?

A resposta encontrada pelo profeta é que Deus cuida de nós, isto é, não estamos sozinhos quando sofremos e no “Dia do Senhor” a justiça triunfará.

O autor do texto usa a imagem do fogo reduzindo uma árvore a cinzas, para afirmar que o mal será completamente eliminado do mundo, não restará mais nenhuma maldade, nem seus ramos nem suas raízes (3,19).

A Bíblia também se serve do simbolismo do sol para enfatizar a mesma ideia. No contexto em que o profeta vivia, o sol era tido como dispensador de calor e de vida, de luz e de justiça porque sempre brilha para todos. Quando amanhecer o “Dia do Senhor”, a justiça vai brilhar e o último rastro de maldade será varrido da terra.

3. II Leitura (2Ts 3,7-12): Permaneçais firmes

Para a mentalidade dos tessalonicenses, o ser humano se realiza essencialmente na sua dimensão espiritual alienada das realidades terrenas. O trabalho manual era visto como algo degradante. Partindo da mentalidade judaica, o autor afirma que a condição corporal do ser humano não é algo negativo como se fosse um castigo, portanto, o trabalho manual dignifica o ser humano.

Os espiritualistas, que apregoavam o final dos tempos para breve, estavam criando um clima de ansiedade e de tanto frenesi que não havia mais lugar para as tarefas cotidianas. O autor convoca os tessalonicenses para permanecer firmes tendo o Apóstolo como exemplo.

O autor da carta não é um fanático, ainda que espere ardentemente pela volta de Jesus ele exorta os cristãos a viver na fidelidade a Deus e a comprometer-se plenamente com suas tarefas e obrigações terrenas.

Quando essa carta foi escrita, não somente o ensinamento de Paulo, mas a própria vida do apóstolo exercia uma influência muito grande dentro da comunidade, a ponto de ele ser citado como exemplo a ser imitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Os textos de hoje têm o objetivo de animar os cristãos em sua caminhada de fé mediante os desafios enfrentados em circunstâncias de perseguição. Quer incentivá-los a permanecer fiéis e a dar testemunho de sua fé, enquanto esperam a vinda gloriosa de Jesus Cristo.

A imagem que o evangelho apresenta sobre catástrofes não deve ser tomada ao pé da letra. São imagens próprias do gênero literário apocalíptico. Querem ressaltar a mudança radical que acontecerá com a chegada do reino de Deus. Esse simbolismo apenas enfatiza que o “mundo” presente, dominado pelo mal, será destruído para que surja então um mundo novo, onde o mal não existe.

É importante deixar claro que a justiça divina não se assemelha a dos homens (facilmente manipulada pela vingança, por leis excludentes e distorcidas). Deus não se deixa manipular por ninguém. Sua justiça é temperada com misericórdia.

Também se deve dar um destaque para o v. 8: “Tomai cuidado para não serdes enganados”. O que se quer ressaltar com isso é que os cristãos não devem se deixar enganar por discursos sensacionalistas que pregam o fim do mundo, fruto de uma leitura literal desse texto bíblico. Nem tampouco se deixar seduzir por doutrinas que semeiam o medo de um juízo implacável de Deus. Esse tipo de doutrina gera fanatismo e uma vida alienada da realidade, na qual se busca uma via de “santidade” fora do mundo, sem nenhum comprometimento com a transformação da realidade pelo testemunho de uma vida em Deus.

Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Deus dos vivos e não dos mortos

Roteiro Homilético para o 32o. Domingo do Tempo Comum
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL

A fé na ressurreição é algo recente para o mundo antigo e não foi aceita por todos. Acreditar na ressurreição era um escândalo no mundo pagão. Jesus explica o fato da ressurreição a partir do próprio Deus. Os patriarcas devem estar vivos de alguma maneira, pois com eles sempre esteve o Deus da vida. Contra quaisquer objeções grosseiras por parte dos descrentes, a fé na ressurreição dá ânimo para o enfrentamento do martírio, pois ressuscitar é chegar ao pleno desenvolvimento da vocação humana. A ressurreição significa que todas as dimensões da vida serão transfiguradas à maneira do Cristo ressuscitado. O fundamento da fé na ressurreição é a fidelidade divina. Porque Deus é fiel ele não permitirá que a morte tenha a última palavra. Dessa forma, a fé na ressurreição é a motivação para a fidelidade humana diante das piores torturas ou da morte. Deus nos guardará e confirmará nossa fé na vinda de Cristo.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Lc 20,27-38): Não mais poderão morrer

O texto de hoje nos oferece uma rica reflexão sobre a ressurreição dos mortos, tema ainda pouco compreendido também nos dias de hoje. Muitos cristãos hodiernos pensam como os saduceus, pois não entendem o que seja ressurreição. Por isso, a pergunta feita a Jesus retrata não apenas a descrença dos saduceus daquela época, mas faz eco ao que muitos cristãos pensam hoje.

Os saduceus aceitavam apenas os livros da Torah (Pentateuco) como Palavra de Deus. E a fé em uma ressurreição pessoal não surgiu até quando foi escrito o livro de Daniel (cf. Dn 12,2), portanto, não se encontra na Torah. A pergunta que fizeram a Jesus tomou por base uma norma da Torah, a lei do levirato (Gn 38,8; Dt 25,5-10). Segundo essa lei, um homem teria que casar com a cunhada viúva (caso o irmão falecido não tivesse deixado um filho homem para herdar seus bens), dessa forma se garantia que o falecido teria uma descendência e que suas propriedades permaneceriam na família. Nesse caso, se sete irmãos sucessivamente tivessem se casado com a mesma mulher, qual deles seria o marido legítimo quando todos ressuscitassem?

A intenção dessa pergunta é ridicularizar a fé na ressurreição, mostrando que é algo incompatível com o mandamento do levirato e, portanto, contra a Torah. Então, a fé na ressurreição seria um absurdo. A resposta de Jesus rejeita o princípio sobre o qual se fundamenta a narrativa proposta pelos saduceus, segundo o qual a ressurreição seria apenas uma projeção e um prolongamento da vida terrestre. Jesus mostra que a lei do levirato tinha por objetivo apenas garantir a conservação da vida terrena, mas em nada se referia à vida após a morte.

Jesus responde aos saduceus a partir do texto de Ex 3,6, esclarecendo que a ressurreição está implícita na Torah. Jesus faz uma distinção entre o mundo presente e o mundo vindouro, para sublinhar a diferença radical do futuro que Deus prepara para os justos. Estes participam da vida de Deus, estão em profunda comunhão com ele, não mais submetidos à ameaça da morte. São semelhantes aos anjos, ou seja, na ressurreição a procriação não é mais necessária para a preservação da vida. Portanto, o corpo ressuscitado deve ser diferente do corpo terreno.

Ao referir-se à autoridade de Moisés, Jesus afirma de maneira inequívoca o fundamento da fé no Deus vivo e verdadeiro, o qual mantém uma relação de comunhão com os fiéis no pós-morte.

A Escritura não pretende explicar como será a vida eterna, mas reafirmar o aspecto fundamental da fé cristã de que a vida não acaba com a morte, ela permanece de outra forma, plenificada, transformada. Na ressurreição se realiza a finalidade do ser humano, viver junto a Deus, numa vida sem fim, numa comunhão incondicional e infinita.

2. I Leitura (2Mc 7,1-2.9-14): O Rei do Universo nos ressuscitará

O texto mostra, primeiramente, que os justos preferem morrer a pecar (7,2), perder a vida a negar a fé. No tempo da grande perseguição religiosa retratada pelo texto do segundo livro dos Macabeus, as pessoas que, naquela época, eram consideradas as mais fracas foram as primeiras a oferecer a resistência da fé contra a intolerância religiosa.

Esse trecho de 2Mc expõe os elementos principais de uma teologia do martírio e da ressurreição dos justos: (1) é necessário, antes, estar disposto a morrer que pecar (v.2); (2) Deus tem misericórdia de quem é fiel a ele (v.6); (3) Deus nos deu a vida e, por amor a ele, devemos estar dispostos a perdê-la (v.11); (4) se morremos por causa da fé, seremos ressuscitados para uma vida eterna (v.7.9).

Isso significa que sem uma fé na ressurreição não há como enfrentar o martírio. A confiança daqueles jovens estava depositada unicamente na fidelidade do Deus da vida (7,7-9) o qual não abandonará na morte aqueles que preferiram morrer a negar a fé.

3. II Leitura (2Ts 2,16 – 3,5): O Senhor é fiel

O autor da carta ora a Jesus Cristo e a Deus Pai, pedindo-lhes que os destinatários tenham uma fé firme enquanto vivem em um mundo descrente. A hostilidade dos adversários (3,2) aponta para o fato de que muitas pessoas não apenas rejeitam a fé, mas também tentam impedir a propagação do evangelho.

Apesar disso, os tessalonicenses devem seguir adiante sem se deixar intimidar pelas dificuldades (v. 3-5), pois o Senhor sempre estará com eles e guiará seus corações para o amor de Deus e para a esperança perseverante de Cristo (v. 5). Isso significa que os tessalonicenses devem imitar a perseverança que Cristo demonstrou durante os sofrimentos pelos quais passou. Apesar dos ambientes hostis, os tessalonicenses devem ser pacientes e perseverantes até a vinda de Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Os textos de hoje refletem sobre o tema central da fé cristã, a ressurreição. Contudo, é importante deixar claro que ressurreição não é a mesma coisa que reanimação de um cadáver, como pensavam os saduceus. Ressurreição é transformação da vida humana em outra realidade para além do tempo e da história. Por ser uma realidade meta-histórica, não há categorias históricas que possam explicitar essa experiência, a não ser metaforicamente. Uma imagem boa para se pensar a ressurreição é a metáfora da borboleta. Uma lagarta entra no casulo e, depois de um tempo, transforma-se em borboleta. A antiga lagarta passará a viver uma vida nova numa nova roupagem, já não estará mais presa ao chão.

A ressurreição é vida plena em Deus. É a realização da intenção divina ao criar o ser humano para estar com ele no Éden. Durante a caminhada histórica, o ser humano aprende a cultivar o jardim de sua existência em meio a dificuldades, perseguições e aridez. Mas o desejo de estar no jardim de Deus e a certeza de que ele está empenhado para realizar esse anseio fundamental da humanidade confortam o ser humano nessa busca de comunhão, fazendo-o perseverar mesmo em tempos de perseguição, pois sabe que a morte é a passagem deste mundo para uma realidade nova, onde Deus será tudo em todos.

Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Quem morará no santuário do Senhor?

ROTEIRO HOMILÉTICO PARA O 31º DOMINGO DO TEMPO COMUMTODOS OS SANTOS (3 de novembro)
Aíla L. Pinheiro Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL
Cristo é a fonte da santidade dos cristãos. As situações mencionadas nas bem-aventuranças foram vivenciadas primeiramente por Jesus e, por isso, ele se tornou o critério pelo qual discernimos se estamos vivendo ou não de acordo com a vontade de Deus.

As situações concretas da vida são, às vezes, carregadas de sofrimento. Feliz é quem permanece fiel em momentos de angústia e crise. Em linguagem apocalíptica, feliz é quem alveja suas vestes no sangue do Cordeiro. Essa expressão significa assumir a veste nova do batismo em situação de grande perseguição, a ponto de se identificar com o Cristo crucificado. Os santos são aqueles cuja consciência de pertença a Cristo é tão forte que estão dispostos a tudo por amor a Deus. O que move as ações deles é o amor ágape, o mesmo que moveu Cristo na oferta da própria vida na cruz.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 5,1-12a): Perseguidos por causa da justiça

As bem-aventuranças, em seu conjunto, constituem um estilo de vida, uma mensagem de esperança e uma ordem de batalha para aqueles que lutam pela implantação do reino dos céus e anseiam por sua chegada definitiva. O ponto de partida das bem-aventuranças são as condições concretas da vida humana. Há pessoas que choram, são injustiçadas, perseguidas, injuriadas e caluniadas por causa do reino dos céus, e ainda assim permanecem mansas, pacificadoras misericordiosas e puras.

No idioma de Jesus, o termo geralmente traduzido por “bem-aventurados” ou “felizes” é o imperativo dos verbos “avançar” e “prosseguir” (cf. Pr 4,14). Em um contexto de perseguição, as palavras de Jesus também podem ser assim traduzidas:

“Que avancem os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus!” Os “pobres em espírito” são aqueles cujas vidas estão apoiadas em Deus, não nos bens materiais e, por isso, sua luta não será em vão, mas alcançarão aquilo que esperam, a saber, o reino dos céus.

Que avancem os que têm “fome e sede de justiça”, a saber, os decepcionados com a justiça terrena, a qual não defende os inocentes e favorece os culpados. E, porque esperam unicamente na justiça divina, não serão decepcionados, mas alcançarão a vitória, viverão numa terra renovada, alicerçada na justiça.

Que avancem os misericordiosos, pois como agiram à semelhança do agir divino, serão tratados por Deus com misericórdia; e viverão num novo mundo, onde a misericórdia e o amor superam todas as coisas.

Que avancem os “puros de coração”, os que são transparentes, não enganam e nem são falsos. Eles verão a Deus.

Que avencem todos aqueles que “promovem a paz”, ou que produzem o shalom (prosperidade, bem, saúde, inteireza, segurança, integridade, harmonia e realização). Serão chamados filhos de Deus, o verdadeiro doador da paz.

Que avancem os “perseguidos por causa da justiça”, os que sofrem perseguição por causa da fé, por causa do evangelho. Quem sofre por causa de uma participação ativa na construção do reino não será decepcionado, mas verá o reino acontecer. Os que se ajustam à vontade de Deus terão lugar no reino dos céus onde a vontade de Deus é soberana.

Finalmente, que avancem as pessoas de boa vontade, verdadeiras promotoras dos valores do reino dos céus na história.

Quando as pessoas viverem essas situações, devem se lembrar de que foi isso que aconteceu aos profetas e mártires. É o preço que se paga pela fidelidade ao evangelho. Essas pessoas não estão sendo castigadas, como poderia afirmar a teologia da retribuição, mas estão sendo convidadas a ter a mesma atitude de Jesus diante do “mundo hostil” ao valores do reino dos céus. Estão sendo convocadas a viver sua fidelidade ao Pai, assumindo todas as consequências dessa decisão até que brote a vida em plenitude.

2. I Leitura (Ap 7, 2-4. 9-14): Os que vieram da grande tribulação

O texto apresenta o destino reservado à Igreja colocada sob a eficaz proteção de Deus durante um período de perseguição. Isso não significa que os cristãos fiquem isentos do sofrimento, ao contrário, devem preparar-se para fazer frente a graves perseguições e, inclusive, a aceitar o martírio. A visão tem, portanto, o objetivo de animá-los a perseverar até a morte.

O primeiro quadro se desenrola com base no conceito antigo que considerava a terra como sendo quadrada, com ventos nocivos originados de seus ângulos (cf. Jr 49,36). Os anjos recebem a ordem de não permitir que os ventos iniciem sua obra de destruição até que os fiéis tenham recebido o selo de Deus, que equivaleria a uma declaração de propriedade (cf. Ez 9,lss). Isso significa que, em meio à prova, Deus dará aos seus servos fiéis as energias necessárias para que perseverem até a morte. Em resumo, os que foram associados à cruz de Jesus, ou seja, os que passaram pela grande tribulação, igualmente compartilham de sua glória no céu.

Os cento quarenta e quatro mil (12 x 12.000) assinalados representam os fiéis provenientes das doze tribos de Israel dispersas sobre a terra. Em novo quadro, João viu uma multidão incontável, de todas as etnias, diante do trono do Cordeiro. As palmas que traziam nas mãos evocam as que eram usadas na liturgia judaica da festa das Tendas (Lv 23,40) para louvar o Deus de Israel.

As vestes brancas, alvejadas no sangue do Cordeiro (v. 14), significam que os mártires permaneceram puros, não se deixaram contaminar, seja pela idolatria, seja pela apostasia, e por isso sofreram a morte. Por causa de sua fidelidade, agora estão diante do trono do Cordeiro vitorioso, realizando uma liturgia celeste.

3. II Leitura (1Jo 3,1-3): Os que esperam no Senhor

Deus nos amou a tal ponto que não se contentou apenas em nos dar seu Filho único, mas tornou a nós mesmos seus filhos adotivos. Esse tipo de amor (ágape) é extraordinário, prodigamente generoso e tem sua fonte em Deus mesmo, é uma realidade divina da qual nós participamos através da filiação que recebemos.

É de se esperar que o “mundo”, tomado aqui em sentido pejorativo, designando uma contraposição a Deus e ao seu propósito, não reconhecerá que somos filhos de Deus. Em resumo, se o amor (ágape) é o que move nossas ações, então seremos estranhos ao mundo que é movido por outros “valores”.

A dignidade de filhos de Deus é desconhecida do mundo e imperfeitamente conhecida pelos próprios cristãos, porque todos os efeitos dessa nova situação ainda não se manifestaram. A vida eterna já está em nós, mas se manifestará em plenitude somente quando o Cristo glorioso voltar na parusia final.

A esperança segura a respeito da manifestação plena da vocação humana à filiação divina é a motivação mais eficaz para o empenho em santificar-se. Essa esperança também é um dom gratuito de Deus a nos impulsionar na purificação. Do mesmo modo que os israelitas se purificavam com os ritos apropriados antes de entrarem no templo de Jerusalém, assim também os cristãos devem purificar-se espiritual e interiormente para entrar na realidade celeste do Cristo ressuscitado.

Dito de outra forma, o ser humano não pode ser salvo sem a graça e os méritos de Cristo, mas, ao mesmo tempo, o esforço pessoal também é necessário no processo de santificação. Não se trata de uma pureza meramente externa, mas sim de esforçar-se para configurar-se plenamente à vontade de Deus expressa na vida de Jesus.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Os textos de hoje têm o objetivo de animar os cristãos e sustentá-los na perseverança e na fidelidade até a morte. As leituras nos mostram o quanto são felizes os que permaneceram fiéis até o fim.

A fidelidade à mensagem de Cristo é o grande desafio de nosso tempo. Muitas pessoas estão desencantadas com a Igreja por causa de várias razões, a maioria deles devido à falta de amor que deve ser a marca característica da comunidade de Jesus. A igreja local, frequentada pelas pessoas em seu cotidiano, pode atrair mais pela misericórdia, por ser mansa e pacificadora.

É bom destacar na homilia que nossa preocupação principal deve ser com o testemunho de vida e não com encher os templos com cristãos desencantados e pouco comprometidos. O testemunho da igreja local os reencantará para Cristo.

Muitas pessoas passam por grandes sofrimentos e se afastam da Igreja porque não encontram explicações, ou porque lhes foram dadas explicações desastrosas para suas angústias e sofrimentos. Se a igreja é solidária com o sofredor, ele se sentirá seguro para permanecer fiel, mesmo sem entender o sofrimento que o sufoca.

Muitas vezes as desistências ou o distanciamento das pessoas em relação à Igreja é porque lhes foi prometido um cristianismo fácil e confortável como retribuição pelas boas obras. Mas quando as dificuldades se anunciam, como é próprio da vida humana, as pessoas não têm a força interior para manter-se fiéis.

Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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*Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, é professora na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas).