segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A SALVAÇÃO É ANUNCIADA AOS POBRES E HUMILDES

Aíla L. Pinheiro de Andrade*

Roteiro Homilético para 4º Domingo do Tempo Comum

I. INTRODUÇÃO GERAL

O profeta Sofonias afirma que Deus dis- persará os soberbos e deixará “um resto”
(os remanescentes) de Israel, composto de gente humilde e pobre. Para esses rema- nescentes, Jesus veio trazer a salvação. Por isso, o “sermão da montanha” abre com o anúncio: “bem-aventurados os pobres em espírito” (Mt 5,3). E, já que esse “resto” vive da esperança nos bens eternos, é exatamente esses bens que lhe são prometidos: Deus, seu reino, sua misericórdia e a felicidade eterna. Os que se gloriam em si mesmos já estão repletos dos “valores” contrários ao Reino e não deixam espaço para Deus.


II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 5,1-12a): Bem-aventurados sois vós

No idioma em que Jesus proferiu esse belíssimo discurso, o termo comumente traduzido em português por “bem-aventura- dos” ou “felizes” é também um imperativo dos verbos “avançar”, “seguir adiante”,
“prosseguir”, como aparece em Pr 4,14. Significa uma ordem de batalha em vez de um comodismo. Tampouco é uma utopia, mas trata-se de uma resposta de Deus a todos os que já são injustiçados, persegui- dos, mansos e pacificadores. Significa que eles devem permanecer na luta, pois é certo que verão acontecer o Reino pelo qual eles sofrem tantas injúrias.
As palavras de Jesus também podem ser assim traduzidas: “Que avancem os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus!” Os “pobres em espírito” são aqueles cujas vidas estão apoiadas em Deus, não nos bens materiais. E, já que eles buscam a Deus em primeiro lugar, então sua luta não será em vão, mas alcançarão o que esperam, o reino dos céus.
Os “mansos” são aqueles que, embora atribulados, não agem com violência nem duvidam do amor de Deus por eles. Como não quiseram tiranizar ninguém, então herdarão a terra. Eles são o contrário dos tiranos, que querem conquistar a terra pela violência. E por isso vão usufruir de uma terra sem violência, como desejam.
Os que têm “fome e sede de justiça” são todos os decepcionados com a justiça terrena, que não defende os inocentes e favorece os culpados. Os que têm “fome e sede de justiça” esperam unicamente na justiça divina e não serão decepcionados. Eles alcançarão a vitória, viverão numa terra renovada, alicerçada na justiça.
Os misericordiosos agem como Deus age. Eles serão tratados por Deus com miseri- córdia. E viverão num novo mundo, onde a misericórdia e o amor superam todas as coisas.
Os “puros de coração” são as pessoas transparentes que não enganam, que não são falsas. Elas verão a Deus.
Os que “promovem a paz”, ou que produzem o shalom (que significa paz em sentido amplo, muito mais que ausência de guerras: prosperidade, bem, saúde, in- teireza, segurança, integridade, harmonia e realização), serão chamados filhos de Deus, o verdadeiro doador da paz.
Os “perseguidos por causa da justiça” são os que sofrem perseguição por causa da fé, por causa do evangelho; sofrem pelo Reino e por isso o Reino será deles. Isto é, como tiveram participação ativa na cons- trução do Reino, não serão decepcionados, mas verão o Reino acontecer.
Justiça é ajustar-se à vontade de Deus. No reino dos céus, a vontade de Deus é soberana; e que avancem as pessoas de boa vontade, verdadeiras promotoras dos valo- res do Reino na história.

2. I leitura (Sf 2,3; 3,12-13): Buscai o Senhor, humildes da terra

O termo hebraico de Sf 2,3 geralmente é traduzido por “pobres”, mas a melhor tra- dução seria “humildes” ou “mansos”.
No conceito bíblico, os humildes são, antes de tudo, os israelitas submissos à von- tade divina e por causa disso perseguidos de todas as formas. Tudo lhes é espoliado, seus bens materiais e até mesmo sua vida. Somente não lhes pode ser tirada a confiança que depositam em Deus.
Para Sofonias, o Dia do Senhor consiste na resposta de Deus a esse “resto fiel” de humildes, quando a eles será enviado o Messias; e, segundo outros textos bíblicos, o Messias mesmo será um entre eles (Zc
9,9).
Para a maioria dos profetas, os soberbos de Israel, ou seja, aqueles que estão obsti- nados em não fazer a vontade de Deus, fica- rão dispersos para sempre entre as nações. Contudo, Deus ama o povo de Israel e por isso um “pequeno resto” de israelitas fiéis a Deus sobreviverá e será reunido para a restauração messiânica.

3. II leitura (1Cor 1,26-31): Deus escolheu o fraco para confundir o forte

Paulo, em sua carta à comunidade de Corinto, enfrenta um problema muito co- mum no meio humano: os níveis sociais. O texto sugere que as pessoas simples estão enfrentando o preconceito daquelas que, na comunidade, pertencem a classes mais abastadas.
Paulo explica que a dinâmica de Cristo é diferente da empregada pelo mundo. O que seria loucura para o mundo é, no reino de Deus, sabedoria. E o que é fraqueza para o mundo, para Deus, é fortaleza. Aqueles que estão repletos dos valores contrários ao Rei- no e se gloriam em si mesmos não se abrem para Deus, porque põem sua confiança na- quilo que são e nos bens que possuem.
Mas os cristãos devem gloriar-se no Se- nhor, que os escolheu e realizou neles a salva- ção operada em Cristo por pura gratuidade, por puro dom de seu amor, e não porque eram importantes “aos olhos do mundo”. Desse modo, as pessoas simples da comu- nidade de Corinto são bem-aventuradas, porque seu único bem é apenas Deus.


III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A liturgia de hoje propõe o tema dos humildes, aqueles que põem sua confiança somente em Deus. Aos humildes é chegada a salvação, porque souberam reconhecer em Jesus Cristo a realização da promessa. É na vida e missão de Jesus, o Messias hu- milde, que se efetiva a salvação esperada. Nele realizam-se todas as bem-aventuran- ças. Ele nada possuía, Deus era sua única riqueza. Até sua vida foi tirada por causa de sua fidelidade, mas Deus respondeu à fidelidade de Jesus, ressuscitando-o dos mortos. Tal sabedoria, escondida aos olhos dos grandes deste mundo, foi revelada aos pequenos e fracos, aos humildes de Deus.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

VÓS SOIS A MINHA LUZ E A MINHA SALVAÇÃO


Aíla L. Pinheiro de Andrade*

Roteiro Homilético para 3º Domingo do Tempo Comum

I. INTRODUÇÃO GERAL

Mateus, ao iniciar a narrativa da ati- vidade apostólica de Jesus, viu a profecia de Isaías tornar-se realidade perante seus olhos. A luz que ilumina a Galileia e de lá se difunde para o mundo inteiro é Cristo e o Reino por ele anunciado. Cristo e o Rei- no são inseparáveis. O início da pregação de Jesus é que o Reino está próximo, não porque está chegando, como afirmava o Batista, mas porque está ali ao lado, o Reino está em Jesus. A vocação dos apóstolos e a cura das enfermidades são sinais de que o Reino chegou e sua luz está se expandindo e dissipando as trevas do pecado e do mal. A resposta imediata e o generoso abandono das redes por parte dos primeiros discípulos significam que a propagação desse reino é urgente. Na atividade missionária, há mui- tos carismas e ministérios que não devem ser concorrentes, pois a todos foi dado o mandato de anunciar o evangelho de formas diversificadas.


II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 4,12-23): O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz

O tema da luz, já mencionado na narra- tiva da infância de Jesus, continua aqui, no relato inicial de sua atividade na Galileia. A atuação pública de Jesus apresenta-se como realização das promessas de Deus para salvar seu povo. As cidades de Zabulon e Neftali, que, no Antigo Testamento, estavam dominadas pelos estrangeiros, representam agora a realização da profecia messiânica. Deus realiza a salvação prometida: uma luz surge onde há sombras e trevas, porque o reino de Deus está próximo, está presente no Cristo.
Na atuação de Jesus na Galileia, cidade miscigenada por diversos povos que viviam nas trevas do pecado e do politeísmo, a luz começa a brilhar e se expandir, pois o reino de Deus é anunciado. A cura dos en- fermos testemunha a expansão desse reino. Mas esse é só o início, pois o Reino deve ser anunciado a todos os povos. Por isso, o apelo de Jesus é forte, o chamado dos apóstolos é urgente. Para que a luz chegue a todas as nações, é necessário que os cristãos se empenhem em responder prontamente ao chamado de Cristo, como fizeram os apóstolos, que, deixando suas redes de pesca, o seguiram.

2. I leitura (Is 8,23b-9,3): Aos que viviam na sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz

A Galileia era sempre a primeira região a sofrer os estragos provocados pelos im- périos estrangeiros que guerreavam contra a terra de Israel. Isso porque era uma rota mais acessível que o deserto ou o mar Me- diterrâneo.
Além de ser a primeira região a sofrer o ataque dos inimigos, a Galileia é a região por onde o povo de Israel foi deportado para o estrangeiro. Por isso, as expectativas messi- ânicas concentravam a atenção na Galileia como cenário da primeira manifestação da luz messiânica, já que seria a primeira região a receber a libertação, como antes tinha sido a primeira a experimentar a escravidão.
O “caminho do mar” ficava na região da Galileia. Era uma estrada entre a terra de Neftali (ao norte) e a terra de Zabulon
(ao sul). Os judeus acreditavam que nessa estrada se manifestaria o Messias, trazendo de volta para a Terra Prometida os judeus dispersos pelo mundo. Essa região sombria, testemunha de tantos sofrimentos, conver- ter-se-ia em cenário de alegria. Porque o cetro (o poder) dos inimigos seria totalmente destruído pelo Messias. A vitória messiânica é apresentada em analogia com o “dia de Madiã”, quando Gedeão venceu o inimigo de modo excepcional (Jz 7,16-25).

3. II leitura (1Cor 1,10-13.17): Cristo me enviou para pregar o evangelho

Paulo agradece a Deus por não ter bati- zado nenhum coríntio. Isso não significa que desvalorize o batismo, mas apenas que rece- beu outro encargo, a pregação do evangelho aos gentios (os não judeus). Encargo que ele exercia com base no conteúdo fundamental do evangelho e não na eloquência da retóri- ca (sabedoria das palavras), tão valorizada pelos coríntios. A vida, morte e ressurreição de Cristo constituem o núcleo básico (o conteúdo fundamental) da proclamação do evangelho, e nisso Paulo desejava que os coríntios concentrassem toda a atenção.
Além do uso da retórica, os destinatários também supervalorizavam alguns missioná- rios. Isso causava sério problema de divisões dentro da comunidade. A formação de grupos e a antipatia entre eles impediam a unidade da comunidade.
Com a expressão “vós sois de Cristo”, o apóstolo condena o partidarismo dentro da Igreja. Pelo batismo, os cristãos se iden- tificam com Cristo, não com o ministro que está a serviço da comunidade. Já que a Igreja é o corpo de Cristo, não deve estar dividida sob nenhum pretexto.


III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Enfatizar a união dos membros da Igreja. A unidade na Igreja não pode ser entendida como simples união de pessoas afins ou com os mesmos ideais, como se fossem membros de um sindicato ou partido político. É algo mais profundo. É uma união misteriosa; em palavras teológicas, é uma união mística. Mas não metafórica, e sim vital e real, que supera todas as realidades que causam a di- visão. Cada membro é distinto dos demais e os carismas são diversos, mas isso não significa divisão, e sim que Deus respeita a identidade de cada ser humano. A união entre os diversos membros da Igreja é como o feixe de luz, cuja diversidade não é notada a olho nu, mas no prisma ou no arco-íris é visto em cores variadas. A união na Igreja deve-se ao Espírito Santo presente como vínculo que une e vivifica cada membro em função da edificação do reino de Deus. Se há divisão entre os membros da Igreja, isso significa que as trevas do pecado es- tão tomando o espaço destinado à luz. A unidade na Igreja é luz que irradia para o mundo a fraternidade universal instaurada por Cristo.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.