quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Relembrar o ser missionário da Igreja

*Márcia Elói Rodrigues,nj

Na história do cristianismo, infelizmente, testemunhamos vários desvios na trajetória de sua missão no mundo. O esquecimento da dimensão ética de sua missão se faz perceber nos modelos que adquiriu ao logo dos séculos. A preocupação com as massas, com o número de fiéis, ou com a manutenção das nossas igrejas deixou uma lacuna na história da missão da Igreja.

No entanto, graças à dinamicidade do Espírito Santo que conduz a Igreja, houve um despertar de sua realidade missionária no mundo[1]. Esse retorno se deu graças às novas práticas pastorais, que levaram para o âmbito da teologia questões há muito tempo esquecidas. O olhar da Igreja voltou-se para o pobre como destinatário de seu agir missionário a partir do Concílio Vaticano II, que cunhou no seio da Igreja todo um movimento de abertura para os povos e seus contextos. Nesse movimento, a América Latina se beneficiou da novidade trazida pelo Concílio.

"A Igreja do Vaticano II, que se definiu simbolicamente versus populum, ao tirar os altares das paredes para permitir celebrações eucarísticas face a face com o povo; na América Latina, procurou definir-se em seus documentos e em sua prática missionária como Igreja voltada aos pobres, aos mais frágeis e aos outros" [2].

E, a partir de Medellín, a centralidade dos pobres emergiu como opção preferencial e como centro centro da reflexão teológica e da prática missionária [3].

A partir de Medellín, a América Latina lança um questionamento no interior da própria Igreja sobre sua identidade missionária entre os crucificados desse mundo. E, graças a isso, a Igreja da América Latina tem se voltado para essa realidade, embora ainda muito timidamente. Isso porque a evangelização dos pobres terá êxito na medida em que a missão da Igreja partir de dentro da realidade do pobre.

Nesse sentido, Medellín propõe mudanças radicais no interior da Igreja. Estimular as congregações religiosas para formar pequenas comunidades encarnadas realmente nos ambientes pobres favoreceria sua aproximação com o povo[4], foi uma delas.

Entretanto, Medellín não produziu uma transformação estrutural da Igreja. Ainda não era tempo. Ela foi um fermento na massa. Sua proposta permanece até hoje, como tarefa para a Igreja [5].

Com Puebla, a proposta de Medellín foi assumida e aprofundada. “Puebla não só faz uma opção pelos pobres, mas, de certa maneira, já faz uma opção com os pobres ao afirmar que ‘o eixo da evangelização libertadora (...) transforma o homem em sujeito de seu próprio desenvolvimento individual e comunitário’ (Puebla, 485)” [6].

A opção com os pobres é a opção de Jesus. Ao assumir a humanidade, Jesus solidarizou-se com a situação deles, em sua vida pobre e despojada, vivida na solidariedade e na abertura do outro, recebendo-o como dom. Nesse sentido, Puebla afirma:

“Só por este motivo, os pobres merecem uma atenção preferencial, seja qual for a situação moral ou pessoal em que se encontrem. Criados à imagem e semelhança de Deus para serem seus filhos, esta imagem jaz obscurecida e também escarnecida. Por isso Deus toma sua defesa e os ama. Assim é que os pobres são os primeiros destinatários da missão e sua evangelização é o sinal e prova por excelência da missão de Jesus" (Puebla, 1142).

Um caminho à espera de ser trilhado

Mas por que os pobres, os marginalizados, os excluídos ainda não estão no centro da missão da Igreja? Porque ainda existe tanta pobreza, injustiça, exclusão dentro da própria Igreja? O que temos a dizer quando a sociedade nos questiona? Quando olhamos para um país como o Brasil, onde há tanta desigualdade social, injustiça, fome, miséria, podemos realmente afirmar que é um país cristão? Será que a Igreja, Povo de Deus, está realmente cumprindo seu papel no mundo? Ela se lembra do por que de sua existência?

Anunciar a Boa Nova aos pobres não é tarefa fácil. Muitas vezes, antes de anunciar a Palavra, se faz necessário humanizar essas pessoas, torná-las dignas para receber a Boa Nova. E isso significa que antes de proclamar a palavra é preciso matar a fome dos famintos, vestir os nus, visitar os doentes, acolher os esquecidos (cf. Mt 25,35-36). Falar do amor de Deus sem testemunhar esse amor é palavra vazia, sem autoridade. Talvez nossos discursos missionários não sejam escutados porque nossas ações não condizem com nossas palavras.

Falamos da opção pelos pobres, mas será que conhecemos realmente sua realidade? Saímos ao seu encontro ou permanecemos no conforto de nossas moradias? Falamos da marginalidade, da exclusão, quando mal conseguimos suportar a idéia de não ter nosso nome, nosso trabalho reconhecido na Igreja. Como falar de partilha vivendo no consumismo egoístico, no acúmulo de coisas supérfluas e que achamos necessárias para nosso bem-estar. Onde estão a partilha, a solidariedade e o testemunho cristão? Como falar do Deus conosco para o irmão que vive em situação limite sem conhecer a realidade da qual se volta o olhar benevolente de Deus?

“O povo de Deus espera sinais de justiça, gestos de coragem e decisão de inclusão (participação) eclesial, não para fugir do Império, mas para transformá-lo” [7]. À nossa pregação deve seguir-se nosso testemunho, como Jesus. Com isso, pode ser que a palavra que anunciamos seja dita com autoridade e produza frutos. Eis aí um desafio para a missão da Igreja! Eis um caminho a ser trilhado.

Notas
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[1]SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino, Petrópolis: Vozes, 2007, p. 118.
[2] Ibidem, p. 139.
[3] Ibidem, p. 141.
[4] Ibidem, p. 144.
[5] Ibidem, p. 145.
[6] Ibidem, p. 150.
[7] Ibidem, p. 161.

*Márcia Elói Rodrigues é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, onde também fez mestrado em teologia bíblica

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A missão da Igreja fundamenta-se na missão de Jesus

Márcia Eloi Rodrigues, nj*

Jesus, o enviado do Pai, realiza sua missão no mundo sob a ação do Espírito Santo (cf. Lc 4,18-19). Sua missão de salvar a humanidade é cumprida em sua própria vida, que se apresenta como Reino de Deus em ação. A presença do Reino de Deus se fazia perceber mediante as curas das enfermidades, a libertação dos cativos, o perdão dos pecados (cf. Mt 4,23-25; 8,16-17; Mc 38-39). Eu sua vida e obra, Jesus revela o rosto do Pai, rosto voltado para os desfigurados desse mundo.

Por meio do Filho, Deus encarna-se na história. Faz-se Emanuel, Deus conosco, realizando o que foi prometido ao longo da história do povo de Israel: reconduzir a Deus o povo disperso [1]. É, pois, em sua humanidade vivida referida ao Pai, que Jesus reconduz os seres humanos a Deus, abrindo-lhes um caminho nunca trilhado antes. “Ele é o mediador de uma Nova Aliança (cf. Hb 9,15; 12,24) e de um caminho para uma nova humanidade (cf. Jo 14,6)”[2]. Essa nova humanidade, reconciliada com Deus e com os irmãos, é meta da missão cristã, e por isso a Igreja não pode desassociar-se da sua responsabilidade para com os pobres, os marginalizados, os sofredores. Viver reconciliado com Deus significa, pois, ser conduzido por ele, cuja vontade é que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10b).

Com Jesus aprendendo a ser missionário

Desde o início de sua vida pública, Jesus chamou a si um grupo para caminhar com ele. Essa caminhada com Jesus significava aprendizagem, preparação para assumir a missão do mestre de Nazaré e dar continuidade a ela. Nesse sentido, seguimento é escola de missão. Somente no final do percurso, os discípulos se tornam aptos para ser enviados ao mundo, quando experimentam a cruz e a ressurreição (cf. Mt 28,19;Mc 16,15; Lc 24,47-48; At 1,8).

Durante a caminhada com o Cristo, os discípulos precisam aprender que a missão de Jesus e, consequentemente a deles, não se exerce no triunfalismo, mas na doação integral de sua vida como dom para o outro, que culmina em sua entrega definitiva na cruz. Não há discipulado sem cruz. E não há entrega na cruz sem amor. O Reino de Deus realizado na pessoa de Jesus Cristo apresenta-se como Reino de amor, de justiça e de solidariedade para com os que sofrem. Toda a sua ação traduz seu ensinamento, em que o dom maior é o amor, que gera vida onde há morte, luz onde há treva.

Como as trevas e a morte são ainda dominantes no mundo, urge anunciar a Boa Nova. “O anúncio do Reino através da realização do ‘novo mandamento’ é uma questão urgente, de vida e de morte"[3]. Quando o Reino de Deus é anunciado, tudo o que é anti-reino, as potências do mal, geradoras de morte, são exorcizadas. Os sinais do anti-reino são destruídos, todas as realidades da vida humana são transformadas pela ação de Jesus, que anuncia e cumpre o que proclama: que o Reino de Deus é vida em plenitude.

Com Jesus a missão nasce no meio dos pobres

O anúncio de Jesus é Boa Nova porque os destinatários privilegiados de seu anúncio são os pobres, os sofredores, os excluídos de uma sociedade em que a religião tornou-se legitimadora da pobreza, da marginalidade, da exclusão. Os pobres, no sentido bíblico, os anawim, são aqueles que nada possuem e, por isso, põem toda sua confiança em Deus, e são ouvidos.

Em Jesus, o clamor daquele que grita por justiça é ouvido. Deus se compadece deles. Desce até eles. Torna-se um deles. O Filho de Deus viveu sua existência humana despojada de tudo, na marginalidade, pois a aristocracia e os chefes de sua religião não o acolheram como enviado de Deus. Rejeitaram seu ensinamento, sua proposta de vida, sua imagem de Deus. A morte de Jesus fora dos muros de Jerusalém representa essa total marginalização de sua pregação e proposta de vida.

Mas a vida vence a morte. E Deus ouve o clamor do “anawim”, do servo sofredor, e lhe responde, ressuscitando-o dos mortos. Por isso, é a esperança na ressurreição que dá sentido à vida humana mergulhada no sofrimento. Porque o Deus de Jesus Cristo não se coloca do lado dos poderosos desse mundo, nem compactua com a injustiça. A última palavra de Deus não é a morte, mas a vida. A missão propõe uma mensagem de esperança. “A mensagem fundamental da missão é a esperança contida na ressurreição de Jesus Cristo como vitória da vida e da justiça”[4]. Essa esperança é experimentada na unidade da minoria que somos, na partilha do que temos e nos valores do Reino que pregamos[5]. Sem isso, a esperança seria mera utopia, e sua proposta, discurso vazio.

Notas
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[1]SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino, Petrópolis: Vozes, 2007, p.16.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem, p.17.
[4] Ibidem, p.18.
[5] Ibidem.

*Márcia Elói Rodrigues é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, onde também fez mestrado em teologia bíblica

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Soteriologia: Uma questão atual e uma linguagem insuficiente?

Rita Gomes,nj*


Introdução

“Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nesses dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo.” (Hb 1,1-2)

Assim como Deus falou de muitas formas até falar na plenitude dos tempos por meio do Filho, a experiência de salvação trazida por Este foi retraduzida em diferentes linguagens, em tempos, contextos e experiências distintas.

Nosso tempo exige uma linguagem que fale à razão e ao mesmo tempo à sensibilidade do ser humano. Há algo de frágil ou inacessível na linguagem soteriológica tradicional? Ou abriu-se um fosso entre essa forma de dizer a salvação e o modo racional-existencial de ouvir do humano hodierno? Essa mensagem deixou de ser significativa ou é apenas incompreensão e por isso, aparentemente inaceitável? O sujeito de hoje precisa de salvação? Deseja ser salvo? Sabe o que significa isso?

Estamos diante de um novo sujeito social destituído de uma narrativa de vida que contemple o aspecto religioso. A grande maioria foi educada em ambientes totalmente secularizados. Percebe-se uma espécie de ausência da experiência religiosa na formação e quando aparece alguma base religiosa revela-se inconsistente. O sujeito de hoje não se reconhece necessitado de uma salvação, uma vez que perdeu a perspectiva de finalidade. A salvação chega-lhe como algo demasiado extrínseco. Salvos de quê e para quê?


1 A salvação e sua história na teologia
O primeiro ponto a considerar é o conteúdo da salvação. O que dizemos e pensamos quando falamos de salvação? O que significa? Segundo o documento da Comissão Teológica[1] a Salvação ou Redenção diz o que “Deus fez para nós na vida, morte e ressurreição do Cristo, ou seja, leva-nos à comunhão com Deus”[2]. Dá-nos a condição de viver a nossa vocação primeira, participar da vida divina. Sermos Filhos no Filho. Mas, essa realidade como testemunha Hb 1,1-2 conhece uma “história de explicitação” no interior mesmo da Sagrada Escritura.

Ao falar da salvação a Bíblia o faz, em última instância, em narrativas e louvores que cantam e celebram o socorro divino em benefício do humano. Daí a diversidade de categorias utilizadas pela teologia para tematizar essa verdade inalienável do Cristianismo. Deus vem ao encontro do humano para fazê-lo participar de sua vida de comunhão.

Por sua vez a história da teologia, a respeito da soteriologia, nos legou um desenvolvimento tão amplo que é difícil perceber com um olhar. Uma abordagem histórica surge como a melhor maneira de visualizar as mudanças no processo de compreensão dessa verdade de fé.

No primeiro milênio pensava-se, bem próximo ao testemunho bíblico, na iniciativa divina que vinha ao encontro do homem, resgatando-o de uma existência sem sentido. Deus é a plenitude de sentido. O humano é dependente de Deus de quem recebe as graças como graça. No segundo milênio o mundo mudou. O homem enquanto razão passou a ser “a medida de todas as coisas”. No racionalismo moderno o sentido é dado pelo sujeito racional. A “salvação oferecida por Deus” é pensada a partir do homem.

Aqui se abre o espaço para a reflexão de Karl Rahner. Seu pensamento se constrói no diálogo com a Modernidade. Rahner tematiza a salvação partindo da antropologia. Sua linguagem filosófica possibilita uma visão racional, por isso aceitável ao homem moderno, da autocomunicação sobrenatural de Deus.

Contudo, não significa que a salvação seja realizada pelo homem, ou mesmo que parta deste a iniciativa. Por isso, a reflexão de Rahner, com todas as críticas que se possa fazer a ela, permanece atual e de uma riqueza única. O que torna seu pensamento instigante e espetacular é o fato de articular de modo magistral os aspectos “descendente” e “ascendente” da soteriologia. Essa articulação não anula seu lugar na “soteriologia descendente”.

Para ele o ser humano é um ser de transcendência, capaz de ultrapassar sua experiência particular de tempo e espaço. Deus criou o ser humano com a capacidade de escutar a Palavra divina, ou seja, a revelação de Deus. Este jamais cerceia a liberdade humana, de modo que pode acolhê-la ou rejeitá-la.

2 A “autocomunicação de Deus” e o “existencial sobrenatural”
Para chegar ao afirmado acima, Rahner percorre um longo caminho. No Curso Fundamental da Fé expõe primeiro acuradamente sua visão do homem: a antropologia transcendental. É nela que alicerça seu discurso e sem ela não seria uma autocomunicação de Deus.

As primeiras etapas visam explicitar as “condições de possibilidade” para o homem acolher o mistério cristão: Deus que se faz homem para que o homem possa participar da vida divina. Por isso Rahner apresenta detalhadamente o processo humano do conhecimento como “ser de transcendência”. É por ser abertura, capaz de transcender que o humano pode receber a mensagem da fé cristã.

A antropologia é o lugar de encontro da revelação de Deus ao homem como autocomunicação e da resposta humana a Deus. Essa resposta humana é já graça, ou seja, é possibilitada pelo próprio Deus. O que Rahner chama de “existencial sobrenatural” é a acolhida do dom de Deus no homem tornada possível por Deus mesmo.

Desse modo, sua reflexão se inscreve no chamado movimento descendente da soteriologia clássica. Prefiro dizer que sua reflexão faz o papel de “dobradiça” entre os dois movimentos e se torna o terreno propício para o aprofundamento e correção de desvios nas reflexões de algumas categorias soteriológicas.

Esses dois conceitos rahnerianos são os pilares de sua construção teológica. A “autocomunicação de Deus” é tão cara a teologia católica que figura na Dei Verbum como a grande passagem da compreensão de Revelação enquanto “verdades reveladas” para um revelar-se do próprio Deus na História da Salvação. Deus mesmo se autocomunica em seu agir amoroso em favor dos homens na história.

3 Possíveis críticas à reflexão rahneriana
Uma das críticas feitas ao pensamento de Rahner é a pouca fundamentação bíblica de sua reflexão. É verdade que não encontramos em seus textos referências bíblicas explícitas. Ele não utiliza a Escritura como “autoridade”. Não é necessário. Mas, para o simples conhecedor da Sagrada Escritura é impossível não perceber no pensamento de Rahner a exposição de temáticas da Escritura tais como: a mensagem teológica do “poema da criação” ou do “drama do jardim” em que o ser humano é por excelência o ouvinte da Palavra.

A profissão de fé israelita consignada no shemah é a confissão no Deus criador. O Deus que criou um ser dotado de liberdade e capaz de dialogar com Ele. Criou um ser capaz de responder, inclusive negativamente ao seu convite à comunhão de vida. Isso é o que nos diz o relato da criação e da queda no livro do Gênesis. Do relato da criação percebemos que o mais constitutivo do ser humano é ouvir a Palavra que lhe vem ao encontro e responder a ela conforme ensina o shemah, com toda nossa vida, sem reservas.

Uma crítica menos contundente, mas positivamente forte é a complexidade de suas exposições. Poucos são os que se aventuram a estudar a fundo o pensamento deste autor.

À guisa de conclusão
Mesmo que não seja simples uma aproximação dos textos rahnerianos, por causa de sua complexidade, é uma exigência imposta pela necessidade de uma reflexão consistente para o humano de hoje. A riqueza e a atualidade de sua contribuição não devem ficar limitadas aos círculos intelectuais. Sua reflexão chega ao ser humano e ressoa por falar ao humano concreto.

Que linguagem para dizer a salvação hoje? Falar de salvação em qualquer tempo exige um contexto apropriado, assim como um agricultor precisa de uma semente adequada ao terreno de que dispõe. Todo ser humano, por sua condição transcendente, necessita de salvação, embora não nomeie seus anseios e desejos com esse nome. Como lembra Rahner, não é possível ao homem escapar de sua transcendência e liberdade, portanto, da responsabilidade inerente enquanto ser humano, histórico e temporal, sujeito às adversidades próprias de uma existência pessoal.

Se conseguirmos romper a primeira barreira do discurso rahneriano e chegarmos ao anúncio primevo, todo o resto pode ser tratado. O como dessa salvação em Cristo expressa na Trindade, especificamente na história pessoal do Filho encarnado, morto e ressuscitado pode ser experimentado pelo homem racional e autônomo de hoje.

Notas:
*É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará - ITEP. Graduada e mestranda em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE.
[1] COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Teologia da Redenção. São Paulo: Loyola, 1997.
[2] Idem, I § 2.
[3] CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum. Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina. São Paulo: Paulinas, 1966, I § 2.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RAHNER, Karl. Curso Fundamental da Fé: introdução ao conceito de Cristianismo. São Paulo: Paulinas, 1989.

SEBOUÉ, Bernard. Karl Rahner: itinerário teológico. São Paulo: Loyola, 2004.

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Teologia da Redenção. São Paulo: Loyola, 1997.

CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum. Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina. São Paulo: Paulinas, 1966.

SESBOUÉ, Bernard. Jesucristo el único mediador: ensayo sobre la redención y la salvación. Salamanca: Secretariado trinitário, 1990.

domingo, 3 de outubro de 2010

Teologia como escuta do mistério eloquente

Aíla L. Pinheiro de Andrade*, nj.

Em muitos fragmentos e de muitas maneiras antigamente Deus tendo falado aos Pais pelos profetas, neste dias finais falou a nós num Filho, ao qual colocou como herdeiro de tudo por quem fez os séculos (Hb 1,1s).

Deus se comunica. Se o autor de Hb começa assim o seu discurso, é porque quer deixar Deus falar mais uma vez. A iniciativa do diálogo é de Deus. O diálogo é, então, pura gratuidade. A Comunicação de Deus torna possível a teologia como logos toû Theoû (palavra de Deus). Enquanto dizer de Deus, a teologia é “sabedoria de Deus em mistério” (1Cor 2,7) que se propaga por meio de “palavras ensinadas pelo Espírito Santo” (1Cor 2,13). Então, sem a dimensão do diálogo, não é possível a teologia.

Só o Espírito possui a chave do saber teológico e a dá a quem ele quer. A teologia se reconhece como não tendo fim nela mesma. Mas está a serviço. Sua finalidade é explicitar para o mundo a Palavra norteadora de Deus. Por isso, o teólogo tem que ser um servidor dessa Palavra e da realidade na qual está inserido.

Sem isso, o teólogo fica sujeito à crítica irônica de J. Cabodevilla:

“Quem são estes teólogos arrogantes, estes meticulosos mensageiros do Verbo? Pretendem saber tudo. Uma vez por semana se sentam à mesa de Deus, são seus assessores. Trata-se de homens demasiadamente orgulhosos para descer alguma vez de seu tom autoritário; demasiadamente teorizadores para compreender o fato da dúvida; demasiadamente astutos para falar de algo que possa ser desmentido e demasiadamente ignorantes para conhecer até onde chega a sua ignorância; demasiadamente seguros de si mesmos para tolerar uma objeção e, ao mesmo tempo, demasiadamente inseguros para expor-se a ela”[1].

Essa crítica nos desperta para o fato de que a palavra de Deus transcende nosso horizonte antropológico. Por isso já dizia São Gregório de Nissa que “a verdadeira visão consiste em ver o que é invisível”. Tal visão a possui o místico, pois penetra “nas trevas luminosas” do mistério [2].

O conteúdo da sabedoria sobre Deus não nasce no âmbito da criaturidade humana, mas a aspiração pelo sentido, sim. O conteúdo da revelação vem ao encontro de nossas mais profundas aspirações. Se Deus fala, temos que nos colocar à escuta. Em nossos dias, a descoberta do ser humano como ser de linguagem, esquece, às vezes, de entendê-lo, antes de tudo, como ser da escuta, porque quem toma a iniciativa de falar é Deus.

Notas:
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[1] J. CABODEVILLA. Palabras son Amores: limites y horizontes del diálogo humano, Madrid: Editorial Católica, 1980, BAC v. 414, p. 233.

[2] GRÉGOIRE DE NYSSE. La vie de Moïse, Paris: Editions du Cerf, 1955, SC 1, 2a. ed., nº 163.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

IV Congresso Internacional em Ciências da Religião - PUC-Goiás


Rita Gomes, nj*


Nos dias 27, 28 e 29 de setembro, aconteceu em Goiânia – GO, o IV Congresso Internacional em Ciências da Religião com o tema “Religião, Transformações culturais e Globalização”, realizado pela Pontifícia Universidade de Goiás. Durante o evento, mais de trezentos e vinte participantes, de diferentes confissões e tradições religiosas, tiveram a oportunidade de discutir os aspectos religiosos, culturais, políticos e econômicos que incidem na vida de fé dos sujeitos crentes.

Participaram do evento pesquisadores de diversas áreas do saber, de estados e países também diversos. Aqui percebemos a amplitude do evento que não se limita ao âmbito geográfico, mas abrange o confessional e acadêmico também.

Os participantes mais diretos são alunos e professores dos programas de pós-graduação em Ciências da Religião e Teologia, espalhados em todo território nacional. Mais de treze estados marcaram presença, entre eles, Paraíba, Bahia, Pará, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Além de representantes de universidades da Itália e Chile.

Foram apresentadas em média cento e quarenta Comunicações, cinco Conferências e três Mesas-Redondas. Entre tantas propostas de trabalho, insere-se a reflexão da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) com o tema geral “Recuperação da dimensão crítica da fé diante dos desafios da globalização”.

Dentro desta temática, o prof. Dr. Élio Gasda apresentou a comunicação “O que Jerusalém tem realmente a dizer a Atenas?”, lembrando que Jerusalém simboliza o aspecto religioso e Atenas, a cultura secular, levanta questões da atual globalização econômica e cultural e desafio destas à fé.

O doutorando Omar Lucas apresentou a comunicação “Globalização e fé cristã: perspectivas e desafios” e sua proposta pontua os desafios do mundo globalizado à fé e as críticas da fé ao mundo global.

A mestranda Rita Gomes apresentou a comunicação intitulada “Globalização atual e a perspectiva bíblica da justiça” buscando luzes na noção bíblica de justiça em vista de uma ética promotora da vida frente ao movimento desumanizador do progresso econômico a qualquer custo.

Para além de nossa contribuição merecem destaque as conferências das doutoras Rosa Morelli (Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional) e Giulliana Martirani (Universidade de Nápoles).


* É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará – ITEP. Graduada e mestranda em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE.