CNBB*
Aprofundamento 3: Anuncia-lhes a mensagem que eu te disser (Jn 3,2)
No terceiro capítulo do livro de Jonas, nosso protagonista recebe novamente a ordem de ir a Nínive. Dessa vez não há fuga, a missão é realizada com sucesso. Contudo, propositalmente, o autor sagrado não nos informa sobre as palavras que Deus mandou Jonas comunicar aos ninivitas.
Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia-lhe a mensagem que eu te disser (Jn 3,2).
Mas Jonas não teve aquela disponibilidade necessária a todo missionário. Atravessou, em apenas um dia, uma cidade que deveria ser percorrida em três dias (cf. Jn 3,3-4). O que foi anunciado aos ninivitas não parece ter sido o que Deus verdadeiramente desejava comunicar. Jonas anunciou um castigo tremendo (Jn 3,4), mas em nenhuma passagem desse livro bíblico se tem Deus mencionando castigo. A mensagem que o Senhor quis comunicar está explícita em Jn 1,2 e diz apenas que Deus conhece a iniqüidade dos ninivitas. Então, Jonas deduziu que para tão grande pecado deveria haver um tremendo castigo.
A frase “e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhes” (Jn 3,10b) pode ser um acréscimo redacional posterior para harmonizar o conteúdo da proclamação de Jonas com o perdão de Deus. Contudo, o autor deixa bem claro que o perdão concedido aos ninivitas é por pura gratuidade e não como conseqüência da penitência. Deus perdoa a grande cidade iníqua porque ama a criação que saiu de suas mãos, não apenas os seres humanos, pois até os animais são citados como alvos da misericórdia divina (Jn 4,11).
Por isso, o pecado de Jonas é grave. “O profeta é o porta-voz de Deus. Não tem o direito de acrescentar ou de suprimir seja o que for da Palavra”[1]. Jonas necessita de conversão mais que os ninivitas.
Que contraste! Todos parecem fazer a vontade de Deus, exceto Jonas. Quando estavam no barco, os marinheiros pagãos eram mais piedosos, enquanto Jonas, tido por justo, era o único que estava desobedecendo ao Senhor. Até mesmo o mar, o peixe, a planta, o verme, o vento oriental, todos são obedientes a Deus. Jonas, ao contrário, mesmo quando parece obedecer ainda não o está fazendo.
Jonas diz aos ninivitas que adora o Senhor, mas isso é uma contradição, visto que a adoração verdadeira consiste em colocar-se a serviço de Deus e dar-lhe a própria vida. Aliás, nesse livro bíblico, são os pagãos, e não Jonas, que desempenham o papel de verdadeiros adoradores [2].
Apesar de ser um missionário rebelde, nosso protagonista alcança incontestável sucesso na missão: a cidade inteira faz penitência (Jn 3,5). E quão maravilhoso não teria sido, se em vez de pregar o castigo, o missionário tivesse percorrido a cidade calmamente anunciando o perdão?
Após a pregação de Jonas, o rei dos ninivitas publicou um decreto de penitência e ele mesmo deu o exemplo. O jejum e os demais ritos penitenciais são, na Escritura, sinais de sincero arrependimento e expressão de uma mudança radical de conduta (Jn 3,8). As palavras do rei (Jn 3, 7b-8) , tido por pagão e iníquo, são muito mais teológicas que a pregação de Jonas [3]. Aliás, o pecado dos ninivitas não é a idolatria, ou o ateísmo como diríamos hoje, ou seja, não são inimigos de Deus. O pecado de Nínive é a iniqüidade, a injustiça ou a violência. Estas são três formas de traduzir o mesmo termo hebraico. Esse é o pecado que chegou até Deus (Jn 1,2) e que o rei denuncia (Jn 3,8). Era isso que Jonas deveria ter dito aos ninivitas: denunciar o pecado, chamar à conversão (mudança de vida) e proclamar o perdão divino. Mas nosso protagonista estava demasiadamente cheio de suas doutrinas religiosas, sobre um Deus severo e castigador, para entender o perdão gratuito. Jonas colocou-se no lugar do Senhor: se ele fosse Deus transformaria os ninivitas em cinzas. Era isso que ele esperava que Deus fizesse e foi isso que ele anunciou em Nínive.
Notas:
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[1] MORA, Vincent. Jonas, São Paulo: Paulinas, 1983, p. 22.
[2] Ibidem, p. 15.
[3] Ibidem, p. 23.
*CNBB - Comissão Episcopal para a Animação Bíblico-Catequética. Mês da Bíblia 2010 - Texto para o povo. Elaborado por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj.
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