Rita Gomes,nj*
Os desafios para a Igreja, quanto à evangelização, são indissociáveis das noções de missão e diálogo. Na atualidade, talvez seja esse o ponto mesmo de partida para se pensar e fazer a evangelização ad intra e ad extra.
A confissão de fé cristã não se separa da experiência vivida nas primeiras comunidades cristãs que confessaram Jesus messias. A explicitação doutrinária, trinitária e cristológica, foi a forma de tornar compreensível a mensagem cristã aos membros da Igreja provenientes da cultura grega, ao mesmo tempo em que servia para marcar as diferenças em relação ao judaísmo, do qual provinha, e aos gnósticos aos quais combatiam.
Essa explicitação da fé em língua grega foi verdadeiramente evangelização, transmissão da experiência de Deus e descobrimento ou assentamento da identidade cristã. Não foi, de modo algum, imposição e absolutização de algo particular. Acusação tão em voga em nosso tempo, movidas por certa corrente da teologia do diálogo inter-religioso.
Em nosso mundo, complexo e ambíguo, somos interpelados a expressar, e porque não dizer, a narrar nossa experiência de Deus. Experiência trinitária revelada na vida muito humana de Jesus de Nazaré, movida pelo Espírito Santo.
Que linguagem adotar para que essa experiência seja transmitida de modo fiel? Como dar condições aos membros da Igreja e aos de “fora” de ter esse contato experiencial com o Deus de Jesus Cristo? Enfim, como deixar Deus se autocomunicar?
Nas primeiras comunidades o modo mais corriqueiro de evangelizar era o testemunho. Hoje, com a onda neopentecostal, esse termo perdeu boa parte de sua força significante. Compreende-se basicamente como a exposição, diante de uma assembleia de fieis, da narrativa de uma mudança de vida, meteórica e aparentemente radical, levada a cabo pelo “poder” de Jesus Cristo.
De acordo com a Escritura neotestamentaria o testemunho constituía o anúncio do Cristo. Esse anúncio por sua vez, configurava-se pelo fazer memória da vida de Jesus, suas palavras e atos. O impacto dessa vida particular naqueles que o anunciavam tornava-se o critério de autenticidade do mesmo anúncio.
A vida transformada daquele que anunciava Jesus Cristo e o Reino de Deus inaugurado em sua pessoa[1], era o principal testemunho da ação salvadora de Deus, uma vez que em Jesus Cristo o próprio Deus fala a humanidade. Jesus de Nazaré é a Palavra salvadora de Deus para toda a humanidade e por isso é revelador do Deus verdadeiro.
Em nossas comunidades eclesiais precisamos resgatar a dinâmica de interrogar-nos: em quê cremos? A cada nova geração de cristãos, essa pergunta aparece como uma exigência identitária.
Diante dessa questão somos interpelados a fazermos novamente o caminho com Jesus e deixar que Ele mesmo nos revele o Pai e desconstrua nossas falsas imagens de Deus. Isso só é possível pelo seguimento do Cristo em um processo contínuo de escuta dessa Palavra na vida eclesial.
A maior dificuldade para a catequese dos cristãos atualmente é o engano da evidência. Acreditamos firmemente que sabemos em que “cremos”, o que “confessamos”. Nossa confissão de fé é repetida sem cessar em nossas celebrações rituais. Muitas vezes de modo supersticioso, mas não parece haver uma verdadeira consciência do que é afirmado em cada palavra. A simples repetição automática não deixa espaço para o significado, para o conteúdo. Não constatamos nos fiéis a existência da experiência que está tão bem expressa no nosso credo.
Evangelizar os batizados exige primeiro a atitude humilde de assumir que não temos plena clareza de conhecer a quem seguimos e por isso, não sabemos quem somos. Houve um obnubilamento da consciência cristã em conseqüência de uma catequese nocional, conceptual que desencarnou a experiência vital dos fieis com Jesus. Temos que assumir nosso lugar de discípulos, ou seja, ir atrás do Mestre. Redescobrir Jesus em nosso dia-a-dia, juntamente com outros cristãos.
Só depois poderemos pensar a evangelização ad extra. E esta nunca será um proselitismo. Dialogar significa antes de mais nada, dar-se a conhecer, revelar-se na humildade, desnudar-se. Como o fez o Pai em Jesus. É também deixar espaço ao outro para fazer o mesmo. O serviço da caridade, o amor incondicional ao ser humano foi expresso de um modo único por Jesus na cruz ao doar sua vida e foi apreendido de modo também único pela Igreja ao perceber e explicitar na Encarnação o assumir a humanidade integralmente, por parte de Deus.
Evangelizar os não cristãos é encarnar esse amor incondicional a cada ser humano necessitado, explorado, desumanizado. Isto é dar testemunho do Pai, pelo Filho, no Espírito.
*É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará – ITEP. Graduada e mestranda em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE.
[1] O Evangelho de Marcos atesta que Jesus inaugura o Reino em sua pessoa, por isso, foi chamado autobasileia.
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