quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A missão da Igreja fundamenta-se na missão de Jesus

Márcia Eloi Rodrigues, nj*

Jesus, o enviado do Pai, realiza sua missão no mundo sob a ação do Espírito Santo (cf. Lc 4,18-19). Sua missão de salvar a humanidade é cumprida em sua própria vida, que se apresenta como Reino de Deus em ação. A presença do Reino de Deus se fazia perceber mediante as curas das enfermidades, a libertação dos cativos, o perdão dos pecados (cf. Mt 4,23-25; 8,16-17; Mc 38-39). Eu sua vida e obra, Jesus revela o rosto do Pai, rosto voltado para os desfigurados desse mundo.

Por meio do Filho, Deus encarna-se na história. Faz-se Emanuel, Deus conosco, realizando o que foi prometido ao longo da história do povo de Israel: reconduzir a Deus o povo disperso [1]. É, pois, em sua humanidade vivida referida ao Pai, que Jesus reconduz os seres humanos a Deus, abrindo-lhes um caminho nunca trilhado antes. “Ele é o mediador de uma Nova Aliança (cf. Hb 9,15; 12,24) e de um caminho para uma nova humanidade (cf. Jo 14,6)”[2]. Essa nova humanidade, reconciliada com Deus e com os irmãos, é meta da missão cristã, e por isso a Igreja não pode desassociar-se da sua responsabilidade para com os pobres, os marginalizados, os sofredores. Viver reconciliado com Deus significa, pois, ser conduzido por ele, cuja vontade é que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10b).

Com Jesus aprendendo a ser missionário

Desde o início de sua vida pública, Jesus chamou a si um grupo para caminhar com ele. Essa caminhada com Jesus significava aprendizagem, preparação para assumir a missão do mestre de Nazaré e dar continuidade a ela. Nesse sentido, seguimento é escola de missão. Somente no final do percurso, os discípulos se tornam aptos para ser enviados ao mundo, quando experimentam a cruz e a ressurreição (cf. Mt 28,19;Mc 16,15; Lc 24,47-48; At 1,8).

Durante a caminhada com o Cristo, os discípulos precisam aprender que a missão de Jesus e, consequentemente a deles, não se exerce no triunfalismo, mas na doação integral de sua vida como dom para o outro, que culmina em sua entrega definitiva na cruz. Não há discipulado sem cruz. E não há entrega na cruz sem amor. O Reino de Deus realizado na pessoa de Jesus Cristo apresenta-se como Reino de amor, de justiça e de solidariedade para com os que sofrem. Toda a sua ação traduz seu ensinamento, em que o dom maior é o amor, que gera vida onde há morte, luz onde há treva.

Como as trevas e a morte são ainda dominantes no mundo, urge anunciar a Boa Nova. “O anúncio do Reino através da realização do ‘novo mandamento’ é uma questão urgente, de vida e de morte"[3]. Quando o Reino de Deus é anunciado, tudo o que é anti-reino, as potências do mal, geradoras de morte, são exorcizadas. Os sinais do anti-reino são destruídos, todas as realidades da vida humana são transformadas pela ação de Jesus, que anuncia e cumpre o que proclama: que o Reino de Deus é vida em plenitude.

Com Jesus a missão nasce no meio dos pobres

O anúncio de Jesus é Boa Nova porque os destinatários privilegiados de seu anúncio são os pobres, os sofredores, os excluídos de uma sociedade em que a religião tornou-se legitimadora da pobreza, da marginalidade, da exclusão. Os pobres, no sentido bíblico, os anawim, são aqueles que nada possuem e, por isso, põem toda sua confiança em Deus, e são ouvidos.

Em Jesus, o clamor daquele que grita por justiça é ouvido. Deus se compadece deles. Desce até eles. Torna-se um deles. O Filho de Deus viveu sua existência humana despojada de tudo, na marginalidade, pois a aristocracia e os chefes de sua religião não o acolheram como enviado de Deus. Rejeitaram seu ensinamento, sua proposta de vida, sua imagem de Deus. A morte de Jesus fora dos muros de Jerusalém representa essa total marginalização de sua pregação e proposta de vida.

Mas a vida vence a morte. E Deus ouve o clamor do “anawim”, do servo sofredor, e lhe responde, ressuscitando-o dos mortos. Por isso, é a esperança na ressurreição que dá sentido à vida humana mergulhada no sofrimento. Porque o Deus de Jesus Cristo não se coloca do lado dos poderosos desse mundo, nem compactua com a injustiça. A última palavra de Deus não é a morte, mas a vida. A missão propõe uma mensagem de esperança. “A mensagem fundamental da missão é a esperança contida na ressurreição de Jesus Cristo como vitória da vida e da justiça”[4]. Essa esperança é experimentada na unidade da minoria que somos, na partilha do que temos e nos valores do Reino que pregamos[5]. Sem isso, a esperança seria mera utopia, e sua proposta, discurso vazio.

Notas
___________
[1]SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino, Petrópolis: Vozes, 2007, p.16.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem, p.17.
[4] Ibidem, p.18.
[5] Ibidem.

*Márcia Elói Rodrigues é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, onde também fez mestrado em teologia bíblica

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