domingo, 3 de outubro de 2010

Teologia como escuta do mistério eloquente

Aíla L. Pinheiro de Andrade*, nj.

Em muitos fragmentos e de muitas maneiras antigamente Deus tendo falado aos Pais pelos profetas, neste dias finais falou a nós num Filho, ao qual colocou como herdeiro de tudo por quem fez os séculos (Hb 1,1s).

Deus se comunica. Se o autor de Hb começa assim o seu discurso, é porque quer deixar Deus falar mais uma vez. A iniciativa do diálogo é de Deus. O diálogo é, então, pura gratuidade. A Comunicação de Deus torna possível a teologia como logos toû Theoû (palavra de Deus). Enquanto dizer de Deus, a teologia é “sabedoria de Deus em mistério” (1Cor 2,7) que se propaga por meio de “palavras ensinadas pelo Espírito Santo” (1Cor 2,13). Então, sem a dimensão do diálogo, não é possível a teologia.

Só o Espírito possui a chave do saber teológico e a dá a quem ele quer. A teologia se reconhece como não tendo fim nela mesma. Mas está a serviço. Sua finalidade é explicitar para o mundo a Palavra norteadora de Deus. Por isso, o teólogo tem que ser um servidor dessa Palavra e da realidade na qual está inserido.

Sem isso, o teólogo fica sujeito à crítica irônica de J. Cabodevilla:

“Quem são estes teólogos arrogantes, estes meticulosos mensageiros do Verbo? Pretendem saber tudo. Uma vez por semana se sentam à mesa de Deus, são seus assessores. Trata-se de homens demasiadamente orgulhosos para descer alguma vez de seu tom autoritário; demasiadamente teorizadores para compreender o fato da dúvida; demasiadamente astutos para falar de algo que possa ser desmentido e demasiadamente ignorantes para conhecer até onde chega a sua ignorância; demasiadamente seguros de si mesmos para tolerar uma objeção e, ao mesmo tempo, demasiadamente inseguros para expor-se a ela”[1].

Essa crítica nos desperta para o fato de que a palavra de Deus transcende nosso horizonte antropológico. Por isso já dizia São Gregório de Nissa que “a verdadeira visão consiste em ver o que é invisível”. Tal visão a possui o místico, pois penetra “nas trevas luminosas” do mistério [2].

O conteúdo da sabedoria sobre Deus não nasce no âmbito da criaturidade humana, mas a aspiração pelo sentido, sim. O conteúdo da revelação vem ao encontro de nossas mais profundas aspirações. Se Deus fala, temos que nos colocar à escuta. Em nossos dias, a descoberta do ser humano como ser de linguagem, esquece, às vezes, de entendê-lo, antes de tudo, como ser da escuta, porque quem toma a iniciativa de falar é Deus.

Notas:
________

[1] J. CABODEVILLA. Palabras son Amores: limites y horizontes del diálogo humano, Madrid: Editorial Católica, 1980, BAC v. 414, p. 233.

[2] GRÉGOIRE DE NYSSE. La vie de Moïse, Paris: Editions du Cerf, 1955, SC 1, 2a. ed., nº 163.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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