Roteiro Homilético 33o. Domingo do Tempo Comum
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
I. INTRODUÇÃO GERAL
A liturgia de hoje aborda o tema do julgamento, mostrando que Deus
não pode ser manipulado nem comprado. O “tribunal” de Deus não favorece
uns em detrimento de outros. Por isso, quem clama por justiça verá que
ela acontecerá. No entanto, em Deus justiça e misericórdia andam juntas e
não são contrárias uma à outra. Deus é justo sendo misericordioso, e é
misericordioso sendo justo.
O tema do julgamento está vinculado ao do último dia. Muitas pessoas
temem falar sobre esse assunto, mas a liturgia nos adverte que é
necessário estar sempre preparados enquanto o Senhor não vem. A ênfase
dada pelos textos não se concentra no medo do inferno nem em eventos
históricos desastrosos nem em cataclismos da natureza. Os textos
focalizam a ação de Deus na destruição do mal, na implantação da justiça
sobre a terra e na ação dos cristãos, a saber, dar o testemunho de fé.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Lc 21,5-19): Não tenhais medo
O texto de hoje utiliza-se de um recurso literário muito usado na
apocalíptica judaica, o testamento de herói. É uma das formas de mostrar
a continuidade da história, do plano divino da salvação em tempos
difíceis. Consiste, principalmente, em discursos do pseudoautor antes da
própria morte/ascensão, nos quais desvela o futuro dos destinatários e
faz exortações a que permaneçam na fidelidade a Deus. Por meio desse
recurso literário, o verdadeiro autor interpreta para os seus
contemporâneos os acontecimentos desastrosos, e assegura-lhes que Deus
fará os fiéis vitoriosos sobre o mal.
O texto começa com a observação sobre o templo de Jerusalém, e
prossegue com a afirmação de Jesus de que tudo será destruído. As
palavras de Jesus querem responder a duas perguntas: quando vai
acontecer e quais os sinais indicativos da proximidade do fim dos
tempos. Essas perguntas são fundamentais para as comunidades do final do
século I d.C.
Jesus diz aos discípulos quais são os sinais; estes não são uma
indicação da proximidade do fim dos tempos, mas uma garantia de que
certamente a parusia virá. Por isso, os discípulos não devem ter medo
diante dos rumores sobre o fim, pois o dia e a hora não são conhecidos.
Enquanto a parusia (a vinda de Cristo) não acontece, os discípulos são
exortados à fidelidade, principalmente em tempos de perseguição, como é
desenvolvido nos vv. 12-17. Contudo, o mais importante é saber que
quando chegar o fim será pelo testemunho de fé que os discípulos serão
salvos.
2. I Leitura (Ml 3,19-20a): Sereis livres
O texto de Malaquias enfrenta o problema do malvado que prospera
enquanto o justo sofre. É compreensível se fazer certas perguntas: que
vantagem há em ser bom? De que vale praticar os mandamentos?
A resposta encontrada pelo profeta é que Deus cuida de nós, isto é,
não estamos sozinhos quando sofremos e no “Dia do Senhor” a justiça
triunfará.
O autor do texto usa a imagem do fogo reduzindo uma árvore a cinzas,
para afirmar que o mal será completamente eliminado do mundo, não
restará mais nenhuma maldade, nem seus ramos nem suas raízes (3,19).
A Bíblia também se serve do simbolismo do sol para enfatizar a mesma
ideia. No contexto em que o profeta vivia, o sol era tido como
dispensador de calor e de vida, de luz e de justiça porque sempre brilha
para todos. Quando amanhecer o “Dia do Senhor”, a justiça vai brilhar e
o último rastro de maldade será varrido da terra.
3. II Leitura (2Ts 3,7-12): Permaneçais firmes
Para a mentalidade dos tessalonicenses, o ser humano se realiza
essencialmente na sua dimensão espiritual alienada das realidades
terrenas. O trabalho manual era visto como algo degradante. Partindo da
mentalidade judaica, o autor afirma que a condição corporal do ser
humano não é algo negativo como se fosse um castigo, portanto, o
trabalho manual dignifica o ser humano.
Os espiritualistas, que apregoavam o final dos tempos para breve,
estavam criando um clima de ansiedade e de tanto frenesi que não havia
mais lugar para as tarefas cotidianas. O autor convoca os
tessalonicenses para permanecer firmes tendo o Apóstolo como exemplo.
O autor da carta não é um fanático, ainda que espere ardentemente
pela volta de Jesus ele exorta os cristãos a viver na fidelidade a Deus e
a comprometer-se plenamente com suas tarefas e obrigações terrenas.
Quando essa carta foi escrita, não somente o ensinamento de Paulo,
mas a própria vida do apóstolo exercia uma influência muito grande
dentro da comunidade, a ponto de ele ser citado como exemplo a ser
imitado.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Os textos de hoje têm o objetivo de animar os cristãos em sua
caminhada de fé mediante os desafios enfrentados em circunstâncias de
perseguição. Quer incentivá-los a permanecer fiéis e a dar testemunho de
sua fé, enquanto esperam a vinda gloriosa de Jesus Cristo.
A imagem que o evangelho apresenta sobre catástrofes não deve ser
tomada ao pé da letra. São imagens próprias do gênero literário
apocalíptico. Querem ressaltar a mudança radical que acontecerá com a
chegada do reino de Deus. Esse simbolismo apenas enfatiza que o “mundo”
presente, dominado pelo mal, será destruído para que surja então um
mundo novo, onde o mal não existe.
É importante deixar claro que a justiça divina não se assemelha a dos
homens (facilmente manipulada pela vingança, por leis excludentes e
distorcidas). Deus não se deixa manipular por ninguém. Sua justiça é
temperada com misericórdia.
Também se deve dar um destaque para o v. 8: “Tomai cuidado para não
serdes enganados”. O que se quer ressaltar com isso é que os cristãos
não devem se deixar enganar por discursos sensacionalistas que pregam o
fim do mundo, fruto de uma leitura literal desse texto bíblico. Nem
tampouco se deixar seduzir por doutrinas que semeiam o medo de um juízo
implacável de Deus. Esse tipo de doutrina gera fanatismo e uma vida
alienada da realidade, na qual se busca uma via de “santidade” fora do
mundo, sem nenhum comprometimento com a transformação da realidade pelo
testemunho de uma vida em Deus.
Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia
pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também
cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns
anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora
do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica
(Paulinas).
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