Roteiro Homilético para o 32o. Domingo do Tempo Comum
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
I. INTRODUÇÃO GERAL
A fé na ressurreição é algo recente para o mundo antigo e não foi
aceita por todos. Acreditar na ressurreição era um escândalo no mundo
pagão. Jesus explica o fato da ressurreição a partir do próprio Deus. Os
patriarcas devem estar vivos de alguma maneira, pois com eles sempre
esteve o Deus da vida. Contra quaisquer objeções grosseiras por parte
dos descrentes, a fé na ressurreição dá ânimo para o enfrentamento do
martírio, pois ressuscitar é chegar ao pleno desenvolvimento da vocação
humana. A ressurreição significa que todas as dimensões da vida serão
transfiguradas à maneira do Cristo ressuscitado. O fundamento da fé na
ressurreição é a fidelidade divina. Porque Deus é fiel ele não permitirá
que a morte tenha a última palavra. Dessa forma, a fé na ressurreição é
a motivação para a fidelidade humana diante das piores torturas ou da
morte. Deus nos guardará e confirmará nossa fé na vinda de Cristo.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Lc 20,27-38): Não mais poderão morrer
O texto de hoje nos oferece uma rica reflexão sobre a ressurreição
dos mortos, tema ainda pouco compreendido também nos dias de hoje.
Muitos cristãos hodiernos pensam como os saduceus, pois não entendem o
que seja ressurreição. Por isso, a pergunta feita a Jesus retrata não
apenas a descrença dos saduceus daquela época, mas faz eco ao que muitos
cristãos pensam hoje.
Os saduceus aceitavam apenas os livros da Torah (Pentateuco) como
Palavra de Deus. E a fé em uma ressurreição pessoal não surgiu até
quando foi escrito o livro de Daniel (cf. Dn 12,2), portanto, não se
encontra na Torah. A pergunta que fizeram a Jesus tomou por base uma
norma da Torah, a lei do levirato (Gn 38,8; Dt 25,5-10). Segundo essa
lei, um homem teria que casar com a cunhada viúva (caso o irmão falecido
não tivesse deixado um filho homem para herdar seus bens), dessa forma
se garantia que o falecido teria uma descendência e que suas
propriedades permaneceriam na família. Nesse caso, se sete irmãos
sucessivamente tivessem se casado com a mesma mulher, qual deles seria o
marido legítimo quando todos ressuscitassem?
A intenção dessa pergunta é ridicularizar a fé na ressurreição,
mostrando que é algo incompatível com o mandamento do levirato e,
portanto, contra a Torah. Então, a fé na ressurreição seria um absurdo. A
resposta de Jesus rejeita o princípio sobre o qual se fundamenta a
narrativa proposta pelos saduceus, segundo o qual a ressurreição seria
apenas uma projeção e um prolongamento da vida terrestre. Jesus mostra
que a lei do levirato tinha por objetivo apenas garantir a conservação
da vida terrena, mas em nada se referia à vida após a morte.
Jesus responde aos saduceus a partir do texto de Ex 3,6, esclarecendo
que a ressurreição está implícita na Torah. Jesus faz uma distinção
entre o mundo presente e o mundo vindouro, para sublinhar a diferença
radical do futuro que Deus prepara para os justos. Estes participam da
vida de Deus, estão em profunda comunhão com ele, não mais submetidos à
ameaça da morte. São semelhantes aos anjos, ou seja, na ressurreição a
procriação não é mais necessária para a preservação da vida. Portanto, o
corpo ressuscitado deve ser diferente do corpo terreno.
Ao referir-se à autoridade de Moisés, Jesus afirma de maneira
inequívoca o fundamento da fé no Deus vivo e verdadeiro, o qual mantém
uma relação de comunhão com os fiéis no pós-morte.
A Escritura não pretende explicar como será a vida eterna, mas
reafirmar o aspecto fundamental da fé cristã de que a vida não acaba com
a morte, ela permanece de outra forma, plenificada, transformada. Na
ressurreição se realiza a finalidade do ser humano, viver junto a Deus,
numa vida sem fim, numa comunhão incondicional e infinita.
2. I Leitura (2Mc 7,1-2.9-14): O Rei do Universo nos ressuscitará
O texto mostra, primeiramente, que os justos preferem morrer a pecar
(7,2), perder a vida a negar a fé. No tempo da grande perseguição
religiosa retratada pelo texto do segundo livro dos Macabeus, as pessoas
que, naquela época, eram consideradas as mais fracas foram as primeiras
a oferecer a resistência da fé contra a intolerância religiosa.
Esse trecho de 2Mc expõe os elementos principais de uma teologia do
martírio e da ressurreição dos justos: (1) é necessário, antes, estar
disposto a morrer que pecar (v.2); (2) Deus tem misericórdia de quem é
fiel a ele (v.6); (3) Deus nos deu a vida e, por amor a ele, devemos
estar dispostos a perdê-la (v.11); (4) se morremos por causa da fé,
seremos ressuscitados para uma vida eterna (v.7.9).
Isso significa que sem uma fé na ressurreição não há como enfrentar o
martírio. A confiança daqueles jovens estava depositada unicamente na
fidelidade do Deus da vida (7,7-9) o qual não abandonará na morte
aqueles que preferiram morrer a negar a fé.
3. II Leitura (2Ts 2,16 – 3,5): O Senhor é fiel
O autor da carta ora a Jesus Cristo e a Deus Pai, pedindo-lhes que os
destinatários tenham uma fé firme enquanto vivem em um mundo descrente.
A hostilidade dos adversários (3,2) aponta para o fato de que muitas
pessoas não apenas rejeitam a fé, mas também tentam impedir a propagação
do evangelho.
Apesar disso, os tessalonicenses devem seguir adiante sem se deixar
intimidar pelas dificuldades (v. 3-5), pois o Senhor sempre estará com
eles e guiará seus corações para o amor de Deus e para a esperança
perseverante de Cristo (v. 5). Isso significa que os tessalonicenses
devem imitar a perseverança que Cristo demonstrou durante os sofrimentos
pelos quais passou. Apesar dos ambientes hostis, os tessalonicenses
devem ser pacientes e perseverantes até a vinda de Cristo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Os textos de hoje refletem sobre o tema central da fé cristã, a
ressurreição. Contudo, é importante deixar claro que ressurreição não é a
mesma coisa que reanimação de um cadáver, como pensavam os saduceus.
Ressurreição é transformação da vida humana em outra realidade para além
do tempo e da história. Por ser uma realidade meta-histórica, não há
categorias históricas que possam explicitar essa experiência, a não ser
metaforicamente. Uma imagem boa para se pensar a ressurreição é a
metáfora da borboleta. Uma lagarta entra no casulo e, depois de um
tempo, transforma-se em borboleta. A antiga lagarta passará a viver uma
vida nova numa nova roupagem, já não estará mais presa ao chão.
A ressurreição é vida plena em Deus. É a realização da intenção
divina ao criar o ser humano para estar com ele no Éden. Durante a
caminhada histórica, o ser humano aprende a cultivar o jardim de sua
existência em meio a dificuldades, perseguições e aridez. Mas o desejo
de estar no jardim de Deus e a certeza de que ele está empenhado para
realizar esse anseio fundamental da humanidade confortam o ser humano
nessa busca de comunhão, fazendo-o perseverar mesmo em tempos de
perseguição, pois sabe que a morte é a passagem deste mundo para uma
realidade nova, onde Deus será tudo em todos.
Publicado originalmente na Revista Vida Pastoral, ano 54, número 293, novembro-dezembro de 2013.
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* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia
pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também
cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns
anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora
do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica
(Paulinas).
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