terça-feira, 8 de março de 2011

REFLEXÕES PARA A QUARESMA 01

Encontrar-se com Deus no Deserto  

Aíla L. Pinheiro de Andrade,nj*

Moisés foi ao deserto e recebeu a revelação do nome de Deus e a missão de libertar os escravos hebreus do Egito (Ex 3,7-10). O povo libertado das mãos do faraó teve que passar pelo deserto antes de entrar na terra prometida (Dt 2,7). Foi ali também que o profeta Elias, na luta contra a idolatria em Israel, fez a experiência com o Deus que se revela na brisa suave e não no vento furioso (1Rs 19,1-13). Os evangelhos são unânimes em afirmar que João Batista veio do deserto (Mc 1,4 // Mt 3,1 // Lc 3,2 e Jo 1,23) e para lá Jesus foi conduzido pelo Espírito (Mc 1,12 // Mt 4,1 // Lc 4,1) antes de começar o anúncio do Reino de Deus. E, quando o cristianismo entrou em crise, depois que foi assumido como religião oficial do império romano, foi para o deserto que os primeiros monges se dirigiram.
Por que o deserto tornou-se vital para quem quer um recomeço? Por que é uma baliza tão constante na marcação dos momentos mais importantes da história da salvação? Por que Jesus teve que fazer essa experiência de deserto? Como resgatar o significado mais profundo do deserto para o cristão de hoje?

O deserto

O deserto tem sido um tema amplamente explorado como recurso literário e teológico. Nos relatos bíblicos, o termo hebraico mais freqüente para designá-lo é Midbar, que em sua origem remonta ao verbo falar (Dabar). Também evoca o significado de “conduzir” “apascentar”, pois tanto os caravaneiros quanto os pastores realizam suas atividades através da voz ou grito, (cf. Is 40,3a, Jo 10,3-4;).
Outras palavras para designar o deserto são: ’Arabá, “ermo” cuja significação fundamental coincide com a de Midbar (cf. Is 35,1.6; 40,3; 41,19; 51,3); Horbah, que denota “ruína”, “desolação”. Yésimón, que quer dizer etimologicamente “devastação”. O profeta Jeremias, escrevendo da cidade de Anatot — com o deserto de Judá à vista — descreve o que significa um deserto enquanto terra totalmente estéril, qualificandoo de “terra onde não se semeia... terra de areais e barrancos, terra árida e tenebrosa, terra por onde ninguém transita e onde não se habita” (Jr 2,2.6).
Entretanto, todas as vezes que encontramos o vocábulo “deserto” em nossas edições da Bíblia, não é exatamente dessa descrição de Jeremias que se trata. Muitas vezes, está-se falando de deserto enquanto zona de transição entre uma terra fértil e outra árida. O termo português mais adequado seria “estepe” e é este significado que usaremos neste artigo daqui em diante.
Na estação que segue às chuvas torrenciais, essa faixa de terra semifértil se reveste de arbustos reverdejantes e relva salpicada de infinitas flores de cores variadas. Não é um absurdo, portanto, os profetas afirmarem que nos tempos messiânicos, o deserto se tornará fértil, será um pasto para o rebanho.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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