quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

NÃO VOS PREOCUPEIS COM O DIA DE AMANHÃ

Aíla L. Pinheiro de Andrade*

Roteiro Homilético para 8º Domingo do Tempo Comum

I. INTRODUÇÃO GERAL

Muitas vezes o povo de Israel, durante períodos de sofrimento, duvidou da presença de Deus (Ex 17,7c; Is 49,14). Mas a primeira leitura nos assegura, por meio do profeta, que o amor de Deus pelo povo é maior que o amor de uma mãe pelo filho (Is 49,15). Deus jamais abandona a criatura que foi chamada à vida por amor. Contudo, com muita facili- dade as pessoas duvidam do amor e da assis- tência de Deus. Por isso, no evangelho, Jesus, o revelador por excelência do amor de Deus, garante-nos: Não vos preocupeis, vosso Pai cuida de vós (Mt 6,25). A segunda leitura nos diz que Deus manifestará as intenções dos corações (1Cor 4,5). Geralmente, o que angustia os corações é motivado pelas ambições, pelo hiperativismo e por outros interesses que tomam o tempo das pessoas e lhes dificultam um encontro pessoal com o Deus de amor.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 6,24-34): Buscai primeiro o reino de Deus

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). No idioma original, em vez de “dinheiro” está escrito “Mamon”, o deus das riquezas. O termo “Mamon” significa “te- souro”, “aquilo em que se põe a confiança”, “aquilo em que alguém se apoia”, “coisa que serve de alicerce”. Dessa forma, o dinheiro ou Mamon é um senhor tirânico que exige total atenção, que ocupa a mente de seu servidor, que lhe causa a preocupação de perdê-lo.
Para melhor compreender o que Jesus está querendo nos dizer na liturgia de hoje, tomemos um exemplo: imaginemos que alguém está se afogando e encontra uma tábua em que se pode apoiar. Essa tábua será de extrema importância para o náufrago, que acredita perecer sem esse apoio. Agora imaginemos que alguém ordene ao náufrago que solte a tábua. Certamente o náufrago recusará e lutará para não soltar seu apoio. É isso que significa Mamon, um apoio ao qual se dá total confiança e sem o qual se acredita não ser possível viver.
Muitas pessoas têm uma relação assim com os bens materiais. Não confiam em Deus porque confiam apenas neles. Por isso, não se pode servir a Deus e ao dinheiro (Ma- mon). E, quanto mais riqueza, mais fácil se torna cair na tentação de servir a Mamon. Contudo, o que Jesus ressalta é que todos os seus discípulos necessitam estar em vi- gilância para não idolatrar o dinheiro, seja ele muito ou pouco. O serviço ao dinheiro (Mamon) não se define pela quantidade dos bens, mas pela relação que se tem com eles. Jesus denuncia esse perigo e exortou seus discípulos a se dedicar primeiramente à construção do Reino, sendo tudo o mais secundário.

2. I leitura (Is 49,14-15): Eu jamais te esquecerei

As Sagradas Escrituras afirmam que “o Altíssimo cuida” (Sb 5,15). O ser humano deve viver na confiança de que Deus vela por ele. Deus guarda seus filhos em tudo e sempre. Como Pai-Mãe amoroso, ele sabe de tudo aquilo de seus filhos necessitam e não os esquece um só momento.
É verdade que existem sofrimentos e pro- vações pelos quais passa toda a humanidade. Não há nenhuma pessoa que passe uma vida inteira sem experimentar algum tipo de sofrimento. Nesses momentos, é difícil perceber o amor e o cuidado de Deus. Mas também são esses momentos que mais exi- gem a fidelidade a Deus e a confiança nele. É necessário olhar para além da dificuldade a fim de ver o amor de Deus, apesar de tudo parecer afirmar o contrário. Às vezes, não é possível encontrar nenhuma explicação para o sofrimento. Mesmo assim, nunca deverí- amos desconfiar do amor de Deus. O amor verdadeiro não tem explicação, simplesmente acontece. Temos de dar lugar ao mistério e abandonar a arrogância de pensar que tudo tem uma explicação ou que necessitamos de explicação como condição para o amor.

3. II leitura (1Cor 4,1-5): Somos servidores de Cristo

Muitas vezes, nas nossas comunidades, nos chateamos porque não temos reconheci- mento por nossas atividades. Nesse texto da primeira carta aos Coríntios, Paulo exorta os cristãos, falando a respeito de suas preocu- pações. A vida cristã não terá como centro as ambições, o hiperativismo, a busca de reconhecimento ou qualquer outra coisa que desvie a atenção do realmente importante: o amor de Deus.
É na lógica do amor e da gratuidade que Paulo afirma serem os cristãos “ministros de Cristo e administradores de Deus”. O amor que recebemos do Pai é pura gratuidade. Quando se é fiel ao que se recebe de Deus, as vãs preocupações se dissipam, deixando lugar para a ação dele na vida da comuni- dade. Quando se serve por amor, não há preocupação com o julgamento humano. Espera-se o julgamento de Deus, que conhe- ce os corações e, no devido tempo, manifes- tará a consistência das intenções humanas. Para quem ama, o louvor devido a Deus é simplesmente vislumbrar a realização da sua obra e alegrar-se com isso.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O futuro a Deus pertence! Preocupar-se demasiadamente com o amanhã é a grande tentação de não confiar que Deus sustenta seus filhos. Mas isso não significa ficar de braços cruzados, esperando as coisas caírem do céu. Significa crer que Deus cuida de seus filhos em todas as situações da vida, embora muitas vezes não seja notado. Quando não percebe- mos a presença de Deus, somos tentados a pôr total confiança nos bens materiais ou em certas pessoas. No entanto, bens e pessoas passam, pois são finitos. Somente o infinito pode dar sentido à vida humana. E o amor de Deus é eterno, infinito, perene. É esse amor que nos consola nos momentos difíceis da vida. É ele que nos impulsiona a servir a Deus na pessoa do irmão, mesmo quando não há reconheci- mento do nosso trabalho.


* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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