terça-feira, 15 de março de 2011

REFLEXÕES PARA A QUARESMA 02

Encontrar-se com Deus no Deserto (cont) 

Aíla L. Pinheiro de Andrade,nj*

Israel no Deserto

Segundo a narrativa bíblica, o nascimento e constituição do povo eleito aconteceram no deserto. Foi durante a estadia ali que Israel tomou propriamente a forma de povo. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó revelou-se ali sob o nome de YHWH e por meio de Moisés efetivou a estruturação inicial de seu povo no aspecto religioso, moral, social, político e civil. Essa narrativa torna-se um paradigma. Todas as vezes que o povo se vê forçado a encontrar consigo mesmo, para renovar sua vida e suas instituições, o fará sempre a partir de um retorno a esse momento fundante da fé de Israel.

A narrativa de uma serie de atos salvíficos relevantes enfatizam a importância do deserto: a revelação do nome de YHWH, a conclusão da aliança do Sinai, o Decálogo e a Lei. Deus se faz presente na Arca da Aliança e na Tenda de reunião, guia o povo por meio da nuvem e coluna de fogo, o alimenta com o maná, e outros episódios. Esses atos são atualizados anualmente nas três festas principais da liturgia israelita: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Nas quais se celebram respectivamente a saída do Egito (Ex 23,15); a promulgação da Lei no Sinai cinqüenta dias depois de cruzar o Mar (Ex 19,1) e a permanência em cabanas (Lv 23,43).

O lirismo mais belo e profundo dos profetas e salmistas brota sempre do retorno àquela experiência fundante que foi a providência de YHWH sobre seu povo no deserto. Para Oséias e Jeremias a recordação daquele tempo evoca a felicidade do primeiro amor, a intimidade do casamento, a fidelidade de Israel como resposta ao amor de YHWH, a ternura do pai para com seu filho (cf. Os 2,16-17; 9,10; 11,1; 13,4-5; Jr 2). Para Isaías a restauração de Israel é representada como um novo Êxodo e uma nova marcha através do deserto (cf. Is 32,15-16; 35,1-2; 40,3 e pass).

Esses atos salvíficos do deserto são também o tema de vários salmos e confissões de fé. A maior parte deles são hinos que tomam como motivos de louvor as intervenções salvíficas de YHWH em favor de seu povo (Sl 78; 105; 114; 135; 136; Jt 5,5-21; Ne 9,6-37).

O deserto estava calcado tão profundamente na consciência do povo que chegou a formar-se uma tradição, segundo a qual os tempos messiânicos se abririam repetindo aquelas experiências fundantes. Nesta perspectiva deve colocar-se a ida ao deserto: dos Assideus (cf. 1Mac 2,29-30) ou da comunidade dos Essênios1 para preparar os caminhos do Messias segundo a profecia de Is 40,3.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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