quinta-feira, 31 de março de 2011

REFLEXÕES PARA A QUARESMA 03

Encontrar-se com Deus no Deserto (cont)

Aíla L. Pinheiro de Andrade,nj*

A dupla imagem de deserto que muda conforme as chuvas ou a seca favorece uma dupla teologia. Seu simbolismo tanto evoca a idéia de presença de Deus, quanto de tentação ou prova. Em seu aspecto de terra habitualmente sem água, sem vegetação nem habitantes é compreendido como lugar povoado por demônios (Lv 16,10; Lc 8,29; 11,24), sátiros (Lv 17,7) e animais maléficos (Is 13,21; 14,23; 30,6; 34,11-16; Sf 2,13-14). Quer dizer, nessa acepção, o deserto se opõe à terra habitada, da mesma forma que a maldição se opõe à bênção.

Então se pode dizer que na tradição bíblica, em seu conjunto, o deserto tem um duplo sentido que se complementa. Por um lado como lugar da eleição, mas também como meio de purificação, constituindo em ambos os aspectos uma preparação imediata para a entrada na Terra Prometida.

Em Dt 8,15 há uma descrição do deserto como lugar vasto e terrível, com serpentes de hálito abrasador e escorpiões, região árida, carente de água. Esse livro também resume as principais provas pelas quais o povo passou ali (Dt 6,14.16; 8,3). São semelhantes àquelas a que Jesus foi submetido, mas ao contrário deste, o relato bíblico constata que o povo não superou totalmente a prova, mas sucumbiu em várias claudicações.

Deus no deserto

Midbar, deserto, como já foi dito acima, vem de Dabar, palavra. Assim, o deserto tem outro atrativo que está relacionado às palavras. A linguagem é essencial para o ser humano, mas ali não se verbaliza muitas coisas e por isso se escuta. Tanto a Palavra de Deus, como a palavra da sedução, habitam no deserto. Se escutarmos a palavra de Deus, esta se tornará como a chuva, reverdeja tudo (Is 55,10-11). Se escutarmos a palavra da sedução, esta será semelhante ao siroco, vento quente (cf. Ex 10,13), que seca toda a vegetação.

Para Israel, em última instância, no deserto está a presença de Deus. Quando o povo no deserto faz a pergunta se “Está ou não YHWH no meio de nós?”, Deus responde a Moisés: “Eis que estarei ali diante de ti sobre a rocha em Horebe; ferirás a rocha, e dela sairá água, e o povo beberá” (Ex 17, 6-7). A água da rocha é a resposta ao povo desconfiado que perguntava pela presença de Deus. A água que jorra generosa é a certeza de que Deus é Emmanuel, que está e estará sempre com o povo, saciando sua sede, de uma maneira total e integral, individual e comunitária. Os israelitas têm sede no deserto e somente Deus pode saciá-los, porque Ele nos fez para Si.

A necessidade da água era imediata, porém a confiança no Senhor deveria prevalecer sobre isso. Contudo o ser humano geralmente considera as necessidades básicas como prioritárias e se deixa levar pela imediatez. Basta, porém, fazer uma memória das vicissitudes para dar-se conta de que o Senhor há providenciado soluções, mesmo que não sejam da forma esperada espera, mas sempre conforme o seu projeto salvífico, que não é compreendido em grande parte e por isso é vital escutá-lo no deserto. Ali os caminhos sinuosos antes percebidos como absurdos e injustos posteriormente adquirem sentido e ainda que não sejam decifrados completamente, não serão considerados à margem da providencia de Deus.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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