domingo, 14 de novembro de 2010

Jesus: o Messias (I)

Rita Gomes, nj*

Introdução

Na atualidade presenciamos um desejo desordenado de encontrar, nas expressões religiosas, conforto para os anseios. A religião substitui, de certo modo, os psicólogos e de maneira perigosa. Na busca pelo sagrado, arrisca-se tomar as religiões como uma espécie de central de exposição, em que os indivíduos avaliam as opções e escolhem as que mais se ajustam ao seu desejo. Não se buscará, nessa dinâmica, a si mesmo divinizado?

Será que a mensagem de Jesus se esvaziou? Será que por ser situada, tornou-se ultrapassada? Ou é ainda hoje, atual e fomentadora de vida em plenitude, como Ele desejou? De que modo Sua vida e Sua práxis podem iluminar o agir do cristão em um contexto complexo de globalização e pouco espaço para o indivíduo singular?

Tentando responder a essas questões decidimos, a exemplo de outros, voltar ao conteúdo da Escritura, sobretudo do Novo Testamento. Assim, num primeiro momento, abordamos sumariamente a compreensão do título “Cristo” na teologia paulina e no testemunho dos evangelhos a respeito do Messias Jesus. Num segundo momento, abordamos a questão do Jesus “histórico” e sua relação com o Cristo Ressuscitado. Por fim, tentaremos perceber como e em que esses pontos estudados podem nos ajudar a encontrar novos caminhos a seguir, que sejam mais fiéis ao ensinamento de Jesus, por isso, consideramos a noção de Reino de Deus.


1 - O Messias segundo o testemunho do Novo Testamento

Os escritos paulinos sao os mais antigos documentos cristãos e nestes o apostolo usa o título de Messias Cristo,j como um segundo nome para Jesus. O termo Cristo,j estava associado diretamente à Morte e Ressurreição de Jesus, ou seja, ao Mistério Pascal. Raramente o apóstolo une dois títulos e ele estava consciente que Cristo,j era um.

No ambiente judaico o Cristo,j corresponde ao hebraico ha-mašiah, usado para designar uma pessoa consagrada por unção para exercer uma tarefa especial. Daí vem o uso comum do termo “ungido”.(1) A referência a Jesus como messias sublinha que sua missão especial é realizar a redenção escatológica. Jesus é o redentor escatológico.

Os usos do termo indicam que Paulo o utiliza para ressaltar a Morte e Ressurreição de Jesus em contexto onde isto se faz necessário. Paulo compreende o Mistério Pascal como prova mais que suficiente de que Jesus é o Messias e, por isso mesmo, não recorre à vida terrena de Jesus no seu querigma (Cf. lTs 1,9ss; lCor 15,3; Rm 10,9).

O apóstolo não afirma nunca que Jesus é o Cristo, mostrando desse modo a ausência, até aquele momento, de qualquer dúvida a respeito da messianidade de Jesus por parte dos cristãos. Cara a Paulo é a expressão “Cristo crucificado”, ele marca o distintivo da fé cristã. Essa expressão era chocante e inaceitável para a mentalidade judaica e sua compreensão de messias.

Outra expressão significativa para Paulo é a fórmula “em Cristo”. Esta refere-se a um estado espiritual e místico de união com o Cristo. Estar “em Cristo” é ser parte constitutiva de um corpo, a Igreja. O Cristo,j transcende o tempo e o espaço. Podendo assim, habitar em cada cristão e possibilitar que cada um habite Nele. Paulo acentua o título Cristo,j em 1Cor porque na comunidade havia membros demasiadamente apegados ao Cristo glorioso da Parusia, Ku,rioj, não querendo ouvir falar da morte do Messias Crucificado, considerado loucura. Paulo procura explicitar seu sentido de Cristo,j, através da Teologia da Cruz e da Sabedoria de Deus. Essa teologia orientará toda a Cristologia paulina posterior.


1.2 — Nos Evangelhos.

Existe um consenso atual sobre o objetivo principal dos evangelhos escritos e da tradição evangélica que os precedeu: anunciar Jesus como Cristo e Senhor. Sem excluir, no entanto, o interesse pela realidade histórica de Jesus.(2) Os evangelhos são documentos já teologizados, ou seja, são expressões da fé das comunidades primitivas, mas estão vinculadas à ação e à vida de Jesus de Nazaré. O que é próprio de um “evangelho” é ser uma proclamação da messianidade e da filiação divina de Jesus, possibilitada pelos relatos — de suas obras e palavras. Essa compreensão é que faz do escrito de João também um evangelho, apesar das grandes diferenças em relação aos sinóticos.

Destes o que mais se aproxima da compreensão paulina de Cristo,j (Messias) é o Evangelho de Marcos. Isto é compreensível se recordamos, que este é o mais antigo dos evangelhos. Esta proximidade se refere à relação direta entre o título Cristo,j e o Mistério Pascal (morte e ressurreição).

O Evangelho de Marcos estrutura-se sobre um esquema teológico chamado “segredo messiânico”.(3) Este se percebe através de uma visão geral do livro. Na primeira parte do escrito marcano a pergunta que perpassa o texto é: quem é Este? (1,1— 8,26). No centro está a resposta: Jesus é o Cristo/Messias (8,29). Na seqüência se delineia o tipo de Messias que Jesus é (8,27—l 6,20).

No segredo messiânico mantêm-se uma tensão constante entre manifestação e segredo sobre quem é Jesus. Em suas palavras e obras essa tensão se expressa. Elas manifestam o Cristo e ao mesmo tempo, Jesus procura guardar segredo sobre sua identidade messiânica. A verdadeira identidade de Jesus só será revelada após sua morte e ressurreição. São os milagres, as palavras e gestos de Jesus que dizem quem Ele é: o Cristo, Filho de Deus.

Embora Marcos tenha como ponto central de sua Cristologia o Jesus Messias, Jesus só dirá que o é diante das autoridades judaicas (14,61-62). Jesus se apresenta como Filho do Homem. Este título é caro ao evangelista, que o usa 14 vezes, enquanto o de Messias e Filho de Deus, apenas sete cada. É através do Filho do Homem que o evangelista caracteriza a tarefa e o mistério de Jesus. Ele é o Messias que sofre até a morte e morte de cruz e é ressuscitado e exaltado por Deus.

Concluindo: o título Cristo,j (Messias), não é o mais usado no Evangelho de Marcos, contudo, é o centro de sua Cristologia. Jesus é o Cristo. Esta afirmação dá autoridade ao seu anúncio do Reino de Deus. O agir e a fidelidade de Jesus ao projeto de Deus o leva à cruz, expressão máxima de sua fidelidade a Deus e ao Reino.

No Evangelho de Mateus o título Cristo,j é usado muitas vezes, mas não com o mesmo sentido e peso com que Paulo o utiliza. Na Cristologia de Mateus, Jesus é antes de tudo, o Senhor e o Filho de Davi. Embora use também os títulos: Filho do Homem, Servo de Deus sofredor, revelador da última palavra de Deus (novo Moisés) e Filho de Deus.

O Messias em Mateus está ligado à idéia geral de messianismo enquanto abarca os ideais que representam o Israel do futuro, o reino universal de YHWH. Jesus é Senhor e Mestre. É um messias que liberta e salva, pois, é messias por palavras e obras. É, sem sombra de dúvida, o messias preanunciado pelos profetas. Seu poder messiânico não é nem político nem militar, consiste no ensinar com autoridade a vontade do Pai. Esta vontade se expressa na cura dos doentes (Mt 11,5), expulsação dos demônios (Mt 10,1), libertação dos humildes e pobres de toda força que os oprima.(4)

Assim, Jesus foi fiel até o fim e selou sua fidelidade na cruz. Por isso, Deus o exaltou pela ressurreição e o constituiu “Senhor”. Outro aspecto ressaltado, como nos outros evangelhos, é o anúncio do Reino. A mediação da qual Jesus é o Mediador.

Os evangelhos de um modo geral, apresentam Jesus como Cristo (Messias) e Senhor. Lucas também o apresenta desse modo, no entanto, não centua os títulos, mas trabalha com “modelos”. Em Lucas Jesus é, sobretudo, profeta e salvador. É o “novo Elias”. Lucas trabalha com duas linhas: fidelidade à tradição e liberdade em relação a esta. Como todos os outros evangelistas, tenta responder aos questionamentos de sua comunidade e isso pressupõe certa liberdade. Jesus é o homem da palavra e do Espírito: anuncia a palavra da salvação e age movido pelo Espírito, tal como os profetas. Interpreta a morte e ressurreição de Jesus, o profeta poderoso em obras e palavras, na linha dos profetas clássicos. Ele será exaltado, glorificado por Deus, ao ser ressuscitado.

Particularmente diferente é o Evangelho de João. Este trabalha de forma magistral o Cristo (Messias). O evangelista parte do Lo,goj o Verbo de Deus que se faz carne. Jesus é a Palavra de Deus encarnada. Assim, o acento maior parece recair sobre Jesus enquanto revelador do Pai.

A exemplo dos outros evangelistas, João afirma, em última instância, que Jesus é o Cristo. No início de seu evangelho, encontramos o testemunho de André a seu irmão Pedro: “Nós achamos o Messias” (Jo 1,41) e no final, o próprio evangelista atesta o motivo do escrito: “Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo tenhais a vida em seu nome” (Jo 20,31).

Resumindo. Todos os escritos neotestamentários apresentam Jesus como o Cristo (Messias). Se em Paulo essa messianidade não era posta em dúvida, o mesmo não pode ser afirmado a respeito da comunidade de Mateus, Marcos, Lucas e João. Mesmo que Marcos tenha uma preocupação mais clara que os outros, em apresentar Jesus como Cristo, essa difere muito da intuição paulina. O que permanece nos evangelhos da compreensão paulina de Messias é sua ligação direta com o Mistério Pascal, mas estes se preocupam com a práxis terrena de Jesus.

Notas:
* É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará – ITEP. Graduada e mestranda em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE.
(1) Temos como exemplo do emprego do termo nos livros históricos em referência a unção dos reis.
(2) BARBAGLIO, G et alii. Os Evangelhos (1). Loyola: São Paulo, 1990, p. 25-26.
(3) Expressão criada por W. WREDE, em obra publicada em 1901 e citada em BARBAGLIO, G. op. cite, p. 507. Ver ainda MINETTE DE TILLESSE, G. Le secret messianique dans l’Evangile de Marc, Paris. Cerf,
1968.
(4) BARBAGLIO, G. op. cite, p. 57.

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