sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A MULHER E A TEOLOGIA

Aíla L. Pinheiro de Andrade*, nj.

As estatísticas mais recentes sinalizam para o avanço das mulheres em setores que há pouco tempo ninguém jamais sonharia em vê-las. A presença da mulher em várias áreas do conhecimento faz parte de um processo geral de evolução, de abertura, de democracia e de antiexclusão. A participação da mulher no campo da Teologia faz parte desse processo.

Apesar das conquistas atuais, ainda há um extenso caminho a percorrer em decorrência da pouca participação da mulher nas principais atividades religiosas segundo a Bíblia. Na Terra de Israel, no tempo de Jesus, a atuação da mulher ainda estava restrita ao âmbito doméstico. Contudo, algumas passagens dos evangelhos mostram que as mulheres são consideradas dignas de um tratamento diferente. Jesus não se sente constrangido em aproximar-se delas e tratá-las com dignidade. Algumas receberam uma nova chance e tiveram suas vidas restauradas. Não encontramos nos evangelhos palavras ofensivas de Jesus dirigidas à mulher. Além disso, o Mestre de Nazaré contrariou visivelmente os costumes de sua época quando as aceitou como seguidoras. E mais, os relatos das aparições do Ressuscitado mencionam as mulheres como testemunhas privilegiadas da ressurreição.

Alguém pode objetar que estamos fazendo uma leitura fundamentalista da Bíblia, pois não se pode provar que Jesus tenha tratado as mulheres de modo diferente do que era comum naquela época. De fato, nada disso pode ser provado cientificamente. Nem os evangelhos pretendem ser reportagens a respeito da vida de Jesus. Mas, teria a Igreja nascente inovado tanto os costumes daquela época se Jesus não tivesse tomado essas posições a respeito da mulher? Esses relatos sobre Jesus e as mulheres teriam saído da cabeça dos primeiros escritores cristãos se Jesus não tivesse, ele mesmo, vivido tais relacionamentos? Ou será que os escritores bíblicos acharam por bem colocar por escrito algumas narrativas que demonstram a libertação da mulher como sinal da irrupção do Reino de Deus na história? Essa atitude de Jesus anima a mulher de hoje a seguir pelas vias da Teologia. Setor até bem pouco tempo ocupado apenas por homens.

Fazer Teologia é coisa nova para quem é mulher. Ela não pode, da noite para o dia, ser uma expert no assunto. Precisa apropriar-se de longos anos de uma reflexão realizada apenas por homens. A experiência de fazer Teologia não é apenas uma novidade, mas um processo de conversão, primeiramente para a mulher que a faz, depois para a Igreja inteira. Hoje, as teólogas enfrentam cada vez menos a desconfiança dos homens a respeito de seu trabalho. Isso faz parte do reconhecimento geral dado às mulheres em todas as profissões antes exercidas apenas por homens. Contudo, à medida que as mulheres se destacam mais em suas carreiras, há uma maior exposição e, conseqüentemente, podem ser avaliadas de acordo com alguns parâmetros ainda ditados pelo mundo masculino. Devido a essa visibilidade, alguém pode procurar na teóloga alguma característica que corresponda ao que é esperado dentro da ótica masculina. Por isso, a atividade teológica da mulher também pede a conversão do homem. Há um novo jeito de fazer Teologia, há uma ótica diferente, há uma perspectiva feminina. Por isso, este é um momento riquíssimo de aprendizagem para a Igreja inteira. É também um maravilhoso desafio que marca a vida eclesial, e chama a atenção para unidade sem que isso signifique uniformidade, mas antes, respeito às diferenças individuais.

No início é comum a teóloga viver a tentação de ocupar-se em provar que é capaz, que tem condições de exercer essa tarefa com sucesso. O fato de ser mulher num universo profissional até então formado apenas por homens causa certo desconforto. Isto transparece na insistência, por parte de algumas teólogas, em produzir textos cuja temática se reduz à exaltação da mulher e a um suposto machismo onipresente. A insistência nessa temática é tanta que muitos teólogos tornam-se receosos em fazer críticas construtivas às colegas, coisa natural no âmbito do conhecimento, pois temem que isto seja interpretado como uma atitude machista. É necessário um período de adaptação de ambas as partes. O respeito será conquistado com a convivência profissional. Com o passar do tempo espera-se que o homem deixe de ser visto como um adversário e seja considerado como um parceiro dessa importante vocação. Caso a teóloga continue insistindo apenas no tema “mulher” isto só desmerecerá sua capacidade de abordagem de qualquer outra temática de interesse teológico mais amplo.

A teóloga precisa ter uma enorme consideração pelo mundo e pela humanidade, visando uma sociedade mais justa e com mais respeito ao meio ambiente. Que a Teologia feita por mulher faça com que a vida das pessoas possa mudar significativamente. Que vá ao encontro das aspirações mais profundas dos prediletos de Jesus: os abandonados, solitários, humilhados.

Ao fazer Teologia a mulher terá que assumir a responsabilidade de lutar por uma sociedade mais justa e fraterna, consciente de que isto não é um modismo, mas ação de Cristo hoje por meio de quem o segue. Isto significa uma imersão radical da teóloga na realidade humana mais sofrida e se constitui um serviço como Jesus o fez.

Em suma, o que se espera da mulher que deseja trilhar os caminhos da Teologia é que seja alguém de visão aguçada, uma sonhadora, até utopista. Mas, com um comportamento arrojado, proativo, versátil, dinâmico, persistente, direcionado para resultados, empreendedor, facilitador. Com discurso e prática estimulantes. Ou seja, alguém realmente de muita caridade, esperança e fé.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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