20º DOMINGO COMUM B / ASSUNÇÃO (19 de agosto)
Aíla Luzia
Pinheiro Andrade, nj*
(Texto
publicado originalmente em Revista Vida Pastoral ano 53 - número 285,
julho-agosto de 2012).
I. INTRODUÇÃO GERAL
A festa da
Assunção de Maria é a festa da assunção da Igreja. Maria colabora no mistério
da redenção, associando-se a seu Filho (LG 56). Sua assunção é figura do que
acontecerá com todos os seguidores de Jesus no fim dos tempos. Porque Maria não
é apenas a imagem (o reflexo), mas também a imagem típica (o protótipo) da
Igreja. A Igreja deve ser aquilo que Maria é. E, enquanto peregrina neste
mundo, a Igreja tem Maria como um sinal “até que chegue o Dia do Senhor” (LG
68). O que celebramos na festa de hoje é a vitória de Cristo sobre todos os poderes
que tentam impedir o reino de Deus. Celebramos, tendo Maria como sinal, a
vitória da Igreja inteira sobre a morte e o pecado.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Lc 1,39-56): Feliz aquela que
acreditou, pois a palavra do Senhor se cumprirá
Esse trecho
do evangelho está vinculado ao texto da anunciação, como seu desenvolvimento.
Ao ouvir a mensagem do anjo Gabriel em relação à encarnação do Filho de Deus,
tendo como sinal a gravidez de Isabel, Maria se dirige prontamente para a região
montanhosa.
A conexão
entre esses trechos nos aponta duas verdades sobre Maria: sua fé e seu
compromisso com o reino. Com a fé que ela demonstra na palavra de Deus, temos
em Maria a verdadeira discípula, que ouve a Palavra e a põe em prática. A fé na
palavra de Deus gera compromisso, que leva o discípulo a realizar na vida o que
ouviu. É o que Maria nos mostra com seu exemplo.
Maria é
exemplo de discípula para quem acredita no cumprimento das promessas divinas,
porque ela mesma está à disposição de Deus para servi-lo como instrumento
dócil. Foi isso o que aconteceu quando disse: “Eis a serva do Senhor! Faça-se
em mim segundo a tua palavra” (1,38). E, imediatamente, saiu para visitar sua
prima. Ao chegar, é saudada por Isabel, e algo de revelador acontece. O teor da
saudação diz respeito a duas realidades. A primeira refere-se à atitude crente
de Maria. Ela é bendita porque acreditou. Aqui é exaltada a sua fé. Foi sua
total adesão à palavra de Deus que operou um milagre em sua vida e na vida da
humanidade: a encarnação do Filho. Daqui passamos para a outra realidade da
saudação: “e bendito é o fruto do teu ventre!” Maria, que carrega no útero o
Filho de Deus, é identificada com a arca da aliança. No Antigo Testamento, a
arca da aliança era símbolo do encontro entre Deus e a humanidade. No útero de
Maria dá-se o encontro entre Deus e a humanidade, pois Cristo é verdadeiro Deus
e verdadeiro homem.
Maria
representa a Igreja, que se compromete com o reino pela fé na palavra de Deus e
pela exigência de gerar o Cristo para o mundo por meio do anúncio, do
testemunho e do serviço.
2. I leitura (Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab):
No deserto, Deus preparou um lugar para a Mulher
A principal
personagem que aparece no grande sinal do céu não tem sua identidade
imediatamente revelada pelo livro do Apocalipse, é chamada apenas de “mulher”.
Somente no desenrolar da narrativa é que sua identidade fica clara.
A mulher é
adornada pelos astros que a envolvem, o que significa que ela é a coroação de
todas as obras da criação. Essa representação alude ao sonho de José, filho de
Jacó (Gn 37,9), interpretado pelos sábios judeus como referência à vinda do
reino onde tudo na natureza e na história estaria submetido ao poder de Deus.
Em oposição
à mulher está a figura tenebrosa do dragão, descrito com características
horripilantes, adornado pelos principais símbolos do poder humano: chifres e
diademas. O significado dessa figura nos é dado pelo texto de Dn 7,24; trata-se
dos governantes dos impérios, são os poderes do mundo.
O dragão
intenta fazer mal à mulher, mas ela é levada para o deserto, lugar que Deus lhe
tinha preparado, e ali é cuidada. Então a mulher representa o novo povo de
Deus. A Igreja, comunidade dos seguidores de Cristo, enquanto aguarda a segunda
vinda do Senhor, suporta as dificuldades do deserto, situação na qual o novo
povo de Deus esperou para entrar na terra prometida.
Enquanto
essa cena se desenrola na terra, especificamente no deserto, uma voz proclama
que há uma nova realidade no céu: ali o reino de Deus já acontece plenamente
(v. 10). Cristo, o ser humano plenificado e vitorioso, é a garantia de nosso
acesso ao céu. Isso significa que a mulher que ainda permanece no deserto pode
ter certeza da vitória em sua luta contra o dragão.
3. II leitura (1Cor 15,20-27a):
Cristo
ressuscitou como primícias dos que morreram A Lei, em Dt 26,2, exigia que os
primeiros frutos (as primícias) fossem oferecidos ao Senhor para expressar a
gratidão do agricultor e o reconhecimento de que Deus era o responsável pela
colheita. Quando o israelita oferecia os primeiros frutos a Deus, estava
agradecendo pela colheita inteira. Os primeiros frutos saídos da terra eram
parte da colheita, e tão certo quanto as primícias são a prova de que há uma
colheita, a ressurreição de Cristo é a garantia de nossa ressurreição nele.
Cristo,
primícias dentre os mortos, ascendeu ao céu e ofertou a si mesmo a Deus como o
representante de seus seguidores, ou seja, da Igreja, que ascenderá depois
dele. Não é somente o primeiro na ordem do tempo que ressuscitou dos mortos
(primeiro a sair de dentro da terra), mas é o principal no que se refere a
dignidade e importância, estando conectado com todos os demais que vão
ressuscitar. Cristo é o ser humano ressuscitado, e nossa ressurreição é a
partir dele. Portanto, nossas esperanças não são vãs, nossa fé não é inútil e
nós não seremos desapontados.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– Em 1974, o
papa Paulo VI escreveu um documento sobre a devoção a Maria (Marialis Cultus)
que continua a ser a norma para a devoção mariana entre os católicos. Depois de
normatizar a devoção mariana em função de Cristo, o papa destaca em dois
números (MC 26 e 27) a mesma devoção em relação ao Espírito Santo. Isso
significa primeiramente que não pode haver culto a Maria em si mesma.
– O texto
retirado do livro do Apocalipse é claramente cristológico, como se pode ver nos
seguintes trechos: “Nasceu-lhe, pois, um filho varão, que há de reger todas as
nações com cetro de ferro. E o seu filho foi elevado para Deus até o seu trono”
(v. 5). “Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade
do seu Cristo” (v. 10).
– Portanto,
a homilia não deve contribuir para um devocionismo exagerado (não fundamentado
nem na Escritura nem na tradição genuína) a respeito da mãe do Senhor e nossa
mãe, modelo daquilo que devemos ser e que seremos na plenitude dos tempos.
* Graduada
em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado
em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente leciona na Faculdade
Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de
formação pastoral.
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