Aíla Luzia
Pinheiro Andrade, nj*
(Texto publicado originalmente em Revista Vida Pastoral ano 53 - número 285, julho-agosto de 2012).
I. INTRODUÇÃO GERAL
O alimento e
a água dados por Deus ao profeta Elias, que lhe restauram as forças e o
sustentam na longa caminhada até a Montanha de Deus, são transparentes figuras
da eucaristia e do batismo, que dão a vida eterna e sustentam o cristão no
caminho para Deus. A consequência prática disso é que a caminhada do cristão
consiste na configuração da própria vida à vida de Cristo, andando no amor e
doando-se a Deus e ao próximo.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Jo 6,41-51): Quem comer deste
pão viverá eternamente
Jesus é o
pão da vida, aquele que comer deste pão terá a vida eterna. E vida eterna não é
a mesma coisa que vida pós-morte. Vida eterna significa vida reconciliada com
Deus. Vida essa que já começa aqui, numa existência orientada para Deus, em
profunda união com ele, e se prolonga após a morte.
Nesse
sentido, quem come desse pão não morrerá. Isso não diz respeito à morte física,
porque esta faz parte da realidade humana, da sua condição de ser histórico,
finito, contingente. Não morrer, no sentido cristão da palavra, significa que a
morte como ruptura definitiva com Deus foi abolida. Se, na existência humana
histórica, se pode viver em união com Deus, essa união não termina com a morte.
Esta se transforma em passagem para uma vida plena, em que o filho retorna à
casa do Pai. Se o cristão vive sua vida reconciliada com Deus, então até mesmo
a morte se torna sua aliada, e não uma realidade terrível que o ser humano
tenta desesperadamente evitar. Assim como Jesus enfrentou a morte de cabeça erguida,
nele nós enfrentamos a morte como vencedores, pois temos nossa vida em Deus.
Quando Jesus
afirma: “E o pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo”, refere-se à
entrega que faz de si mesmo na cruz para a vida do mundo. Como a existência
integral de Jesus foi vivida em profunda união com o Pai em prol da humanidade,
sua entrega na cruz não é um evento pontual, mas o resultado de tudo o que ele
ensinou e viveu. Porque ele se entregou à humanidade durante sua vida inteira,
pôde entregar-se finalmente na morte. A existência inteira de Jesus foi oferta
agradável ao Pai em prol do ser humano.
O
conhecimento desse mistério será acolhido por todos os que vieram a Jesus.
Porque serão instruídos pelo Pai, verdadeiros discípulos de Deus, seus
seguidores. Ser discípulo de Jesus é a mesma coisa que ser discípulo de Deus,
porque o Filho e o Pai estão unidos em solidariedade pela salvação do mundo. O
ensinamento que os discípulos aprendem vem do Pai por meio da vida de Jesus.
2. I leitura (1Rs 19,4-8): Come deste pão!
Porque o caminho é superior às tuas forças
O profeta
Elias vagava em fuga pelo deserto adentro. A certa altura, encontrava-se
cansado por ter passado longos dias e noites na viagem. Além do cansaço, estava
exausto pelo forte calor do sol; sentia fome e sede e, além disso, oprimia-lhe
a solidão do deserto. Nesse estado de coisas, só lhe restava dizer: “Agora
basta, Senhor!” (v. 4). Ele pediu a morte – embora isso pareça uma contradição,
já que estava fugindo da rainha Jezabel para preservar a própria vida.
Elias está
fazendo um êxodo ao contrário, pois, durante 40 anos, o povo foi do deserto
para Israel e agora o profeta vai da terra prometida à Montanha de Deus. E,
assim como aconteceu aos antepassados, a quem o profeta chama de “pais” (v. 4),
Deus providenciou alimento e água para manter a vida do profeta. O texto
menciona que o alimento era “pão assado na pedra”, ou seja, o alimento
cotidiano de vários povos orientais (cf. Gn 18,6).
Com o
alimento e a água, Elias sentiu-se confortável e quis ficar ali acomodado,
dormindo. Mas recebeu uma ordem para levantar-se (mesmo termo que significa
“ressuscitar”) e dirigir-se até a Montanha de Deus. O texto afirma que o
profeta andou 40 dias, fortalecido pelo alimento e pela água, em clara alusão
aos 40 anos que os hebreus haviam passado no deserto alimentados pelo maná e
pela água tirada da rocha. Elias precisava chegar à Montanha, lugar onde Deus
havia confirmado a aliança feita com os patriarcas e seus descendentes e
adotado as tribos de Israel como povo escolhido (cf. Ex 3,1).
3. II leitura (Ef 4,30-5,2): Cristo por nós
se entregou como oferta de suave odor
A exortação
“não contristeis o Espírito Santo” parece estranha. O termo usado também quer
dizer “provocar dor” ou “causar pesar”. Essa expressão simbólica significa que
os cristãos não devem fazer o oposto daquilo para o qual receberam a unção do
Espírito Santo.
O Espírito
Santo na vida do cristão é o selo de Deus. Antigamente se marcava qualquer
propriedade com um emblema que identificava o dono. Um exemplo atual são os
objetos da paróquia, comumente marcados com um carimbo ou etiqueta para indicar
a instituição proprietária. O Espírito Santo assegura que somos propriedade do
Senhor e que devemos ser empregados completamente no serviço de Deus. Até que
chegue “o tempo da redenção”, ou seja, o nosso encontro definitivo com o
Senhor, devemos trilhar nosso caminho com firmeza de propósitos e testemunho de
vida, sem nunca nos cansarmos de fazer o bem.
Como as
crianças gostam de imitar os pais e é assim que aprendem as coisas do dia a
dia, da mesma forma os cristãos deveriam seguir o exemplo de Deus. Mas como é
possível imitar a Deus? O que significa isso? A resposta está no v. 2: “Andai
no amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós a Deus como oferta e
sacrifício de suave odor”.
O termo
“oferta” significa qualquer oferecimento pelo qual se expressa gratidão por
tudo (todas as graças) que se recebe da benevolência de Deus. “Sacrifício” quer
dizer aquilo que se oferece quando se perdem, por causa da ruptura do pecado,
as graças recebidas de Deus. Por fim, a expressão “de suave odor” significa
estar de acordo com o que Deus ordenou, diz-se do sacrifício que agrada a Deus
ou que ele aceitou com prazer.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– O pão e a
água, figuras da eucaristia e do batismo, têm o objetivo de levar o cristão a
entrar em aliança com Deus, fazer a experiência da ressurreição. São força e
sustento na caminhada rumo a Deus. Não nos são dados para que fiquemos
acomodados na sombra, mas para enfrentarmos os rigores do deserto. A jornada de
Cristo neste mundo foi vivida no amor. Com esse estilo de vida, ele demonstrou
gratidão, ofereceu-se para superar a ruptura provocada por nosso pecado e
agradou a Deus em tudo. É esse tipo de vida que Cristo nos dá e é assim que
devemos viver.
– Neste dia
em que celebramos a vocação de constituir família, no qual homenageamos
especialmente os pais, é bom enfatizar o relacionamento filial que Cristo nos
ensinou a ter com Deus. Os meios visíveis (sacramentos) que nos introduzem
nessa filiação e, principalmente, a ação de Deus para efetivar esse
relacionamento filial. O alimento material é apenas um sinal de tudo o que Deus
realizou em nosso favor como Pai amoroso.
* Graduada
em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado
em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente leciona na Faculdade
Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de
formação pastoral.
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