Aíla Luzia
Pinheiro Andrade, nj*
(Texto publicado originalmente em Revista Vida Pastoral ano 53 - número 285, julho-agosto de 2012).
O tema do
Deus pastor e do Messias pastor é o fio condutor das leituras de hoje. Esse
tema tão importante do Antigo Testamento é reinterpretado com frequência pelo
Novo Testamento. O evangelho sintetiza no simbolismo do pastoreio as intensas
atividades de Jesus junto ao povo e o cuidado com os discípulos. Totalmente
entregue à tarefa de proclamar o reino de Deus, Jesus se dedica com intensidade
ao cuidado do rebanho que o Pai lhe confiou. Cristo, o verdadeiro pastor, não
se comporta como os líderes religiosos a quem o profeta Jeremias critica como
maus pastores que não cuidaram do rebanho de Deus. A vocação ao pastoreio foi
dada por Jesus aos seus seguidores, não é exclusiva da hierarquia da Igreja.
Todos os cristãos são convidados a continuar a missão de Cristo e, para que
isso seja possível, é necessário fixar os olhos nele, modelo e critério do
pastor.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Mc 6,30-34): A multidão era
como ovelhas sem pastor
Os apóstolos
que tinham sido enviados dois a dois se reuniram novamente a Jesus e contaram
tudo o que tinham realizado.
Como bom
pastor, Jesus reúne suas ovelhas e as leva ao deserto para descansar. O deserto
era o lugar onde o pastor costumava reunir suas ovelhas para restaurarem suas
forças (cf. Sl 23,23). A atitude de Jesus demonstra seu cuidado para com seus
discípulos. Ele cuida com carinho e atenção de suas ovelhas, levando-as para um
lugar propício, devido à vida fatigante que levam com ele em prol do anúncio do
reino. Todos, em certo momento, precisam dirigir-se ao deserto para estar a sós
com o Senhor, recuperar suas forças e, depois, retornar à missão de anunciar o
reino.
Também a
multidão percebeu a intenção de Jesus e o seguiu para fora da cidade. A
multidão vinda de várias cidades evoca a promessa de que o Messias deveria
reunir os judeus dispersos pelo mundo. E Jesus percebeu a carência profunda
desse povo. Ele se compadeceu porque eram como ovelhas sem pastor, famintas da
palavra de Deus. Os supostos pastores do povo, que deveriam alimentá-lo com a
palavra de Deus, estavam sendo omissos nessa missão.
O povo foi
em busca de Jesus porque viu nele o verdadeiro pastor e encontrou nele o mesmo
cuidado dedicado aos seus discípulos.
2. I leitura (Jr 23,1-6): Ai dos pastores
que dispersam meu rebanho
Por meio de
Jeremias, Deus condena a conduta dos maus pastores, os líderes religiosos
daquela época. Em vez de reunir as ovelhas (o povo de Deus), dispersavam-nas.
Em vez de cuidar delas, deixavam-nas perecer. Essas duas atividades principais
do pastoreio, reunir as ovelhas e delas cuidar, estavam sendo negligenciadas
pelos pastores do povo. Por isso Deus mesmo cuidará de suas ovelhas e as
entregará a pastores mais dignos.
Além do
simbolismo do pastor e do rebanho, o texto de Jeremias utiliza o símbolo do
brotinho nascido de um tronco de árvore cortada. Esse brotinho representa o
Messias, o rei pastor, sob cujo governo as ovelhas dispersas de Israel serão
finalmente reunidas e poderão desfrutar de segurança, justiça e paz.
3. II leitura (Ef 2,13-18): Reconciliados
com Deus mediante a cruz
Ainda no
quadro da salvação universal realizada por Deus por intermédio de Cristo, a
segunda leitura nos lembra que, pela cruz, as ovelhas dispersas, não
pertencentes ao povo de Israel, mas às outras nações, foram reunidas ao antigo
povo de Deus. Israel bem como as demais nações foram reconciliados em Cristo e
se tornaram amigos de Deus. Todos os seres humanos foram irmanados por meio de
Jesus, todas as ovelhas foram reunidas em um só rebanho no Messias. Todos
receberam um só Espírito. Tudo isso é o fruto da oferta da vida que Jesus fez a
Deus por suas ovelhas.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– Lido com
olhos cristãos, o salmo responsorial delineia a figura de Jesus, o bom pastor,
e expressa a alegria dos fiéis: “O Senhor é meu pastor, nada me falta” (Sl
23,1). Jesus é o pastor que cuidadosamente guarda seu rebanho, defende-o dos
perigos, alimenta-o com a rica mesa de sua palavra e do seu Corpo e Sangue.
– É
importante enfatizar na homilia a experiência existencial e profunda de cada
cristão com o Cristo ressuscitado. A eucaristia já não pode ser entendida como
uma obrigação do católico, mas como o momento em que Cristo reúne suas ovelhas,
após os trabalhos e as lutas por um mundo melhor, para que possam restaurar
suas forças e ser alimentadas por sua palavra e pelo pão eucarístico.
– Também é
importante que as celebrações efetivamente proporcionem um encontro pessoal e
comunitário com o Ressuscitado, em vez de serem rituais mecânicos e enfadonhos,
em que o presidente da celebração pronuncia palavras vazias de espiritualidade
e vida plena. Não esqueçamos a palavra de Jeremias: “Ai de vós, pastores, que
dispersam e destroem as ovelhas”.
* Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário