15º DOMINGO COMUM – B (15 de julho)
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj *
(Texto publicado originalmente em Revista Vida Pastoral ano 53 - número 285, julho-agosto de 2012).
Deus, com absoluta liberdade, chama todos e cada um em
particular. Isso significa que ele não faz acepção de pessoas, mas todos são
vocacionados à filiação divina, suprema vocação humana, embora haja distintas
missões, conforme os desígnios de Deus. Para o exercício do anúncio do
evangelho, algumas coisas são exigidas dos enviados e dos destinatários. Dos
primeiros se exige que renunciem aos interesses egoístas e se dediquem com
afinco à proclamação do reino, mesmo que o missionário se torne malquisto ou rejeitado.
Exemplo disso é Amós, que não falou palavras agradáveis e não buscou os
próprios interesses. Dos destinatários da missão se requer a acolhida ao
missionário como enviado de Deus e a docilidade à palavra divina por ele
proclamada.
II. COMENTÁRIO DOS
TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Mc
6,7-13): Chamou os Doze e os enviou dois a dois
Esse trecho do Evangelho de Marcos nos insere no âmago da
vocação da Igreja, que é ser missionária.
A comunidade, representada pelos Doze, é formada pelos
discípulos seguidores de Jesus, que participam da vida e missão de seu mestre.
São seguidores porque foram convocados por Jesus para segui-lo e a ele
responderam afirmativamente. Isso significa que a vocação cristã não se
fundamenta em méritos pessoais, mas unicamente no amor e na gratuidade de Deus,
por meio de Jesus, e no consentimento humano.
Uma vez chamados, os discípulos são enviados a serviço da
transformação deste mundo em um reino de fraternidade e paz. Jesus os envia com
o mesmo poder e autoridade porque o discípulo participa da missão do Mestre,
assumindo seu estilo de vida e seu destino. Esse poder e autoridade estão a
serviço do anúncio do reino, não são para benefício próprio. O poder sobre os
espíritos impuros ou sobre enfermidades significa que o reino de Deus se
expande enquanto o reino da morte e do pecado cede espaço. Não há nenhum poder
mágico, mas a ação de Deus que destrói o poder das trevas quando a luz de
Cristo é levada aos povos.
O envio de dois em dois é muito importante, por causa do
apoio mútuo e da deliberação a respeito da melhor forma de evangelizar em cada
local, ressaltando assim o sentido da vida em comunidade. Isso também mostra
que os discípulos estavam de acordo a respeito do conteúdo da mensagem, o que
evitava possíveis desconfianças nos ouvintes, pois naquela época havia muitos
charlatães prometendo felicidade em troca de benefícios.
A missão dos Doze exige empenho, que se traduz
principalmente em despojamento: não lhes é permitido levar nada do que
geralmente se levava numa viagem, para que a provisão viesse de quem os
acolhesse. Não se preocupando em levar pão, não cobravam nada para poder
comprá-lo. Apenas sandálias foram permitidas, porque teriam longo caminho a
trilhar. Além das sandálias, um só bastão para se defender das feras. Por conta
da urgência do anúncio, não deviam perder tempo com quem rejeitasse a mensagem.
Dessa forma, o anúncio chegaria com rapidez e eficácia àqueles que o acolhessem
com fé.
2. I leitura (Am
7,12-15): Vai, profetiza para meu povo
Na primeira leitura, o sacerdote Amasias pensa que o profeta
Amós usa a religião para ganhar dinheiro. O sacerdote se sente incomodado com
as profecias de Amós e tenta persuadi-lo a ir embora, aconselhando-o a ganhar
dinheiro em outro lugar, pois ali é Betel, santuário real, e as críticas do
profeta não são nada agradáveis ao rei. Amós informa que não pertence a nenhum
grupo de “profetas”, como eram chamados os conselheiros dos reis. Ele não usa a
religião para ganhar dinheiro, mas tem sua própria profissão.
Amós não profetizava por decisão pessoal, ele apenas
correspondeu ao chamado de Deus. Não deu a si mesmo essa tarefa e, aliás, ela
não era nada lucrativa para ele; ao contrário, ao criticar o rei, o profeta
poderia receber grandes represálias. O que Amós estava fazendo nada mais era
que obedecendo a uma ordem de Deus, que o chamou e o enviou a profetizar para
que Israel voltasse ao caminho que os antepassados haviam percorrido com o
Senhor durante toda a história da salvação. A mensagem podia até não ser
agradável, mas visava ao arrependimento e à conversão.
3. II leitura (Ef
1,3-14): Em Cristo, Deus nos chamou a ser seus filhos
A segunda leitura de hoje nos apresenta a vocação humana, ou
seja, o plano divino da salvação para os seres humanos: abençoados em Cristo,
escolhidos nele antes da criação do mundo e designados para serem filhos de
Deus. Esse grandioso desígnio de salvação se realiza mediante Cristo na oferta
de sua própria vida, que nos redime do pecado e nos confere a sua graça. Mas
isso não excluiu a colaboração humana; ao contrário, exige fé e empenho pessoal
para viver em santidade. Além disso, essa sublime vocação humana demanda o
anúncio da “palavra da verdade”, isto é, o “evangelho da salvação”.
III. PISTAS PARA
REFLEXÃO
– Os vocacionados à missão recebem a instrução de nada levar
na viagem a não ser o estritamente necessário, pois Deus cuidará do sustento
deles por meio da hospitalidade oferecida aonde forem. A hospitalidade era um
costume e até mesmo uma lei universal na sociedade antiga. Lendas folclóricas
asseguravam que os deuses se disfarçavam de seres humanos para testar a
hospitalidade das pessoas e, caso não fossem acolhidos, podiam-se esperar
severos castigos. A sociedade moderna não oferece as mesmas condições e os
mesmos costumes da sociedade antiga, contudo permanece a orientação de Jesus a
respeito do desprendimento que cada vocacionado deve ter.
– É bom ressaltar o exemplo de Amós, que tinha liberdade
para dizer o que Deus lhe ordenava, pois, se não dependia da religião para o
próprio sustento, não sentia a imposição de dizer somente as palavras que
agradassem aos ouvintes. Também Paulo é exemplo de abandono nas mãos de Deus.
– Pode-se enfocar o exemplo do apóstolo Paulo, que
reconhecia as próprias fraquezas e limitações, consciente de que a missão só
podia ser levada a termo porque Deus o fortalecia e o capacitava.
– Deve-se destacar também o papel da comunidade no êxito da
missão. A hospitalidade dada aos missionários na Antiguidade pode ser
atualizada na sociedade moderna em diversos atos que promovam o desenvolvimento
da missão.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.
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