
Falar do sentido teológico da afirmação dogmática sobre a Mãe de Deus exige, ao menos, a consideração de dois dados. O primeiro deles é a nomenclatura, pois somente o resgate do sentido mais original do termo Qeoto,koj já ilumina muito a questão . Este significa, especificamente, “aquela que pariu um que é Deus ”. Em latim se diz “Deípara”. Isso diz muito mais que nossa simples tradução “Mãe de Deus ”. Esta última , carrega duas dificuldades, pode se distanciar do centro da afirmação e, por sua ambiguidade, pode obscurecer o sentido .
A segunda dificuldade vem do distanciamento histórico: o Concílio de Éfeso (431), no qual se afirmou a Qeoto,koj. O tema de fundo, no Concílio, não era Maria, como não foi em tempo algum , nem mesmo na Reforma como julgam alguns . A questão girava em torno do Filho . Em Nicéia (325) se afirmou a divindade do Filho , em Constantinopla I (381) a divindade do Espírito Santo . Em Éfeso a questão decisiva era salvaguardar a unidade do Filho : Deus e homem .
Afirmar a “mãe de Deus” poderia insinuar uma anterioridade em Maria, por isso , alguns defendiam o uso do termo Cristoto,koj para referir-se a ela. Contudo , afirmar a Cristoto,koj era arriscado demais, pois poderia levar a uma nova forma de heresia cristológica: uma divisão entre o homem e o divino em Jesus. Assim se afirmou a Qeoto,koj. Maria é Mãe de Deus enquanto mãe de Jesus Cristo , Filho de Deus .
Coube à Maria essa participação mais direta na Encarnação . Aqui reside a importância de Maria na história da nossa salvação: ela colaborou com Deus , é a serva fiel que fez, a exemplo de Jesus, a vontade do Pai . Maria não é mãe meramente biológica, pelo ato físico de parir. Ela torna-se mãe ao acolher a vida do Cristo em seu corpo . “Ela gerou Cristo antes com a fé que com o corpo ”.
Para refletir sobre o sentido espiritual evocamos uma afirmação de Karl Rahner que diz de forma brilhante quem é Maria: “Maria é a concreta realização do perfeito cristão . Maria é como nós . Jesus Cristo é outrossim um como nós . Mas ele também é Deus . Maria é que é inteiramente uma entre nós . O que ela é nós devemos ser . É por isso que Maria é-nos tão familiar . É por isso que nós a amamos.”
O que se dá corporalmente em Maria se dá espiritualmente em todo ser humano que acolhe a vontade de Deus . Todo aquele que faz a vontade de Deus , gera Deus para o mundo . Nesse sentido todo aquele que faz a vontade de Deus é “mãe de Deus ”.
O testemunho do evangelista João é emblemático para revelar quem é Maria e sua função na Igreja : ela é mãe da Igreja porque é a primeira “cristã”. É a primeira a fazer a vontade do Pai como nos ensinou Jesus, por isso , ela pôde dizer em Caná “Fazei tudo o que Ele vos disser”.
Ao pé da cruz foi dada como mãe ao discípulo amado . Maria em João nunca é nomeada, é sempre a mãe de Jesus. O discípulo também não é nomeado e somos chamados a nos identificar ora com Maria ora com o discípulo . Maria ao pé da cruz , segundo a interpretação mais comum nos é dada por mãe e esta é a ideia mais presente no imaginário cristão católico . Maria é claramente mãe de todo cristão .
Cirilo de Alexandria, em seu discurso sobre a Theotókos em Éfeso, deixa o Cristo em seu legítimo lugar , no centro de nossa fé e Maria referida a este . Vejamos um pequeno trecho em que Cirilo louva Maria: “...Salve , Maria, Mãe de Deus , por quem veio ao mundo o vencedor da morte e o destruidor do inferno ! Salve , Maria, Mãe de Deus , por quem veio ao mundo o autor da criação e o restaurador das criaturas , o Rei dos céus ! Salve , Maria, Mãe de Deus , por quem floresceu e refulgiu o brilho da ressurreição !...”
É sendo fiel ao testemunho da Escritura e à Tradição que seremos verdadeiramente marianos , ou seja, cristãos autênticos porque, como ela, faremos a vontade do Pai como nos revelou Jesus Cristo .
