quarta-feira, 26 de outubro de 2011

ELES NÃO PRATICAM O QUE ENSINAM

Roteiro Homilético para o XXXI Domingo Comum - A (30 de outubro)
Aíla L. Pinheiro Andrade, nj *

I. INTRODUÇÃO GERAL
A liturgia de hoje enfoca o papel de quem tem a responsabilidade do ensino e da liderança na Igreja, sejam bispos, presbíteros ou leigos. O tema é, na verdade, uma exortação e um convite à fidelidade. Na primeira leitura, o profeta Malaquias faz severa crítica aos sacerdotes antigos que, longe de levar o povo a encontrar-se com Deus e de pôr em prática a Escritura, afastavam as pessoas com falsas doutrinas: “Vós vos afastastes do caminho e fizestes tropeçar a muitos por vosso ensinamento” (Ml 2,8). Também Jesus, no evangelho, critica a postura dos líderes religiosos da época, reconhecendo que eles se assentam na “cátedra de Moisés”, mas agem com hipocrisia, pois não vivem o que exigem das pessoas comuns. “Sentar-se na cátedra” é expressão que ainda hoje significa “ter autoridade para ensinar”. A essa conduta Jesus contrapõe a docilidade e a simplicidade dos discípulos seus. Trata-se de qualidades vividas por Paulo, conforme o texto da segunda leitura: “nos tornamos pequenos no meio de vós” (1Ts 2,7).

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1.  Evangelho (Mt 23,1-12): Um só é vosso mestre
O evangelho de hoje vem nos exortar acer-ca da responsabilidade que assumem os que se dedicam ao ensino e à liderança da comunidade.
Jesus afirma a autoridade dos que assumiram a tarefa do ensino. Exorta a todos os seus ouvintes a fazer e observar o que lhes é ensinado. Mas chama a atenção para a conduta desses líderes, pois o comportamento deles está em contraste com o que ensinam. E isso é sinal de infidelidade à missão assumida.
O primeiro contraste apontado por Jesus é o acúmulo de observâncias exigidas do povo que não fazem parte do cerne da fé. E tais práticas não são de todo desconhecidas para nós. Vemos muitas vezes fiéis que se impõem “pesados fardos” como necessários para chegar a Deus. Esse tipo de conduta retrata uma visão deturpada de Deus. Ele não quer de nós observâncias externas, mas apenas o nosso coração. E é dever nosso, sejamos líderes ou não, ajudar essas pessoas a encontrar o núcleo na fé cristã: seguir Jesus.
Outro contraste diz respeito à hipocrisia e ostentação das pessoas que, por estarem à frente da comunidade, querem ser tratadas com honra e gostam de ser reconhecidas como “mestres”. Mas Jesus afirma: “um só é vosso mestre”. Dessa forma, destrói toda pretensão de usurparmos o lugar que não é nosso. Podemos nos sentar na “cátedra” para ensinar, mas ela não nos pertence.
Jesus nos ensina como deve ser o comportamento do verdadeiro discípulo: deixar que Cristo seja o único mestre. E a prova da grandeza do discípulo não está no uso de títulos, mas no serviço humilde ao irmão, pois o mais importante é a fraternidade. Foi isso o que Jesus, o mestre, nos ensinou com sua vida. Se nos dedicarmos ao serviço fraterno, com certeza mereceremos nos sentar para ensinar, pois o mais eloquente discurso que proferimos é nossa própria vida configurada a Cristo.

2.  I leitura (Ml 1,14b–2,1-2b.8-10): Um só é vosso guia
Os sacerdotes levitas tinham como missão ensinar a vontade de Deus ao povo. Essa vontade, expressa na Escritura, nem sempre é realizada pelo ser humano, porque este é limitado e pecador. Em decorrência disso, os sacerdotes deveriam realizar os ritos de reconciliação entre o pecador e Deus. Os ritos eram, portanto, secundários; vinham em auxílio ao pecador para que este não permanecesse afastado de Deus. O profeta Malaquias faz dura crítica aos sacerdotes, porque não realizam de forma correta estes dois aspectos da missão deles: não ensinam ao povo a vontade de Deus nem realizam corretamente os ritos de reconciliação e comunhão. Portanto, o povo fica duplamente afastado de Deus por culpa dos sacerdotes levitas. Os que tinham a missão de guiar o povo como representantes de Deus não o faziam adequadamente, e por isso Deus os rejeitou para essa função. Para que o povo não se perdesse, Deus mesmo prometeu ser seu guia.

3.  II leitura (1Ts 2,7b-9.13): Um só é vosso Pai
O apóstolo Paulo é exemplo concreto de como deve ser o seguidor de Jesus. Ele se apresentou perante os tessalonicenses sem ostentação e sem orgulho. Não se sentia melhor que os outros apenas porque tinha recebido de Deus a missão de ensinar as verdades do cristianismo. Paulo esteve entre os tessalonicenses cheio de doçura e mansidão. Estava convicto de sua autoridade para ensinar, no entanto o fazia como uma mãe a seus filhinhos. A responsabilidade que sentia era tão grande, que estava disposto a dar a própria vida em favor deles. O apóstolo trabalhava dia e noite, por generosidade, para que os tessalonicenses não tivessem gastos com ele. E porque não buscava os próprios interesses, a sua pregação foi eficaz. Paulo deixava toda a honra para Deus Pai, a quem servia por meio de Jesus e do Espírito Santo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A homilia é uma exortação à fidelidade, e não um momento para que o presidente da celebração explique e justifique qualquer falha ou omissão. As leituras são claras: criticam todas as pessoas constituídas em autoridade para ensinar e guiar o povo. Em primeiro lugar atinge os ministros ordenados e depois os leigos que exercem algum mandato para essas funções. Tanto os sacerdotes levitas quanto os escribas e fariseus estavam nas funções de condução e ensino do povo. Hoje essas funções são exercidas na Igreja também por clérigos e leigos. É bom destacar um momento penitencial no qual se reconheçam as limitações em vez de “dar desculpas” pelos comodismos ou culpar a alta hierarquia. A Igreja santa e pecadora somos todos nós. É bom aproveitar a exortação que a liturgia nos faz para avaliarmos a quantas anda a missão, que é um mandato para todos nós. Ensinamos o que é vontade de Deus ou aproveitamos o momento para nos sentirmos maiores e melhores que os outros? Servimos ou somos servidos?

(Texto publicado originalmente em Revista Vida Pastoral n. 280 de setembro-outubro de 2011).

* Aíla L. Pinheiro de Andrade  é graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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