terça-feira, 6 de setembro de 2011

PERDOAI-NOS, SENHOR, COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS OFENDE


Roteiro Homilético para o XXIV Domingo Comum - Ano A (11 de setembro)

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*

I. INTRODUÇÃO GERAL
O tema da liturgia de hoje é o perdão. A oração que Jesus ensinou a seus discípulos traz o imperativo do perdão mútuo ao mesmo tempo que nos assegura o perdão divino. O pedido “perdoai-nos como nós perdoamos” não limita a ação de Deus em relação às nossas faltas, mas nos introduz na dinâmica divina de perdoar sempre. É porque Deus tem misericórdia de nós que devemos ter misericórdia de nossos semelhantes. Deus nos perdoou primeiro, e nós correspondemos a tão grande dom perdoando nosso próximo da maneira que nosso Pai nos perdoa. O mal deve ser vencido com a bondade ilimitada, que se manifesta incansavelmente no perdão. As leituras de hoje mostram que, se o mal é intensamente prolífero, deve o bem ser muito mais.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mt 18,21-35): Perdoai sempre

Pedro estava convicto de que tinha feito boa proposta a Jesus sobre o exercício do perdão. No entanto, Jesus eleva esse valor ao máximo possível. Se observarmos o texto de Gn 4,24, veremos que estão em jogo também esses números, só que no contexto da vingança.

No Antigo Testamento, a atitude de um descendente de Caim, Lamec, que se propõe vingar até setenta vezes sete, dá margem a uma corrente sem freios de violência. A atitude de Lamec é tão contrária ao ensinamento de Jesus quanto a atitude do servo é contrária à do patrão. A parábola quer ensinar que a morte de Jesus, segundo os critérios de Lamec, careceria de vingança infinita por parte de Deus. No entanto, o Pai, representado pelo patrão, não vingou seu Filho, mas perdoou infinitamente (setenta vezes sete). E com isso pôs fim à corrente de violência por meio do perdão.

Com isso se quer ensinar que somente o perdão, ato divino que somos chamados a praticar, pode pôr fim à violência. Como membros do corpo de Cristo, nossa atitude diante das ofensas sofridas é perdoar sempre, pois não há ofensa maior do que aquela realizada por nós a Deus: a morte do Herdeiro amado. Mas o Pai transformou essa ofensa em perdão e salvação.

Perdoar sempre não quer dizer passividade ou omissão diante do erro e da injustiça, mas sim não guardar mágoa ou rancor, tampouco sentimentos de vingança. Somente pelo perdão, fruto do amor, podemos construir um mundo mais pacífico, fraterno e amoroso.

2. I leitura (Eclo 27,33–28,9): Perdoa a ofensa de teu próximo

Esse texto bíblico do Antigo Testamento (nas edições católicas, não consta da bíblia hebraica) representa um avanço na maneira pela qual as pessoas lidavam antigamente com as ofensas. O autor pede que se renuncie à vingança, afirmando que somente as pessoas afastadas de Deus é que nutrem a ira, o desejo de vingança no coração.

Quem tem um relacionamento mais íntimo com o Senhor deveria cultivar um espírito de misericórdia, já que a proximidade com Deus revela tanto as faltas do ser humano quanto o perdão divino.

A consciência de que todos têm necessidade da misericórdia de Deus deveria tornar as pessoas mais religiosas e mais dispostas a perdoar. Infelizmente nem sempre é isso que se vê.

O texto bíblico pede que a pessoa rancorosa pense na morte e perdoe as ofensas recebidas. “Pensar na morte” não significa “pensar num castigo eterno”, mas conscientizar-se de que a morte iguala a todos nós. Todos morremos, e isso significa que ninguém é melhor que o outro e todos nós somos muito mais devedores de Deus do que de uns para com os outros.

3. II leitura (Rm 14,7-9): Pertencemos ao Senhor

Frequentemente as mágoas e os rancores surgem da intolerância com o diferente. Algumas pessoas não suportam que outras pensem e vivam a religião, a missão, a profissão ou outras situações humanas de modo distinto. Há uma tentativa de uniformizar as opiniões. Geralmente se confunde unidade com uniformidade. Estar no mesmo grupo ou equipe e pensar ou agir de modo diferente é motivo para ser tachado de rebelde, de falta de espírito comunitário etc. Nessas situações é necessário discernimento, e o apóstolo Paulo nos dá uma pista para não criarmos ressentimentos por causa da pluralidade: “Ninguém vive para si mesmo... é para o Senhor que vivemos”. Aqueles que pensam e agem diferentemente de mim fazem-no por causa do Senhor ou para exaltar a si mesmos? E eu, quando penso que determinados pensamentos e atitudes das outras pessoas estão errados, é por causa do Senhor que penso assim ou é para exaltar a mim mesmo?

Cristo é o Senhor, nós pertencemos a ele; portanto, não devemos criar guerra em vez de bons relacionamentos somente porque alguém que caminha conosco dá passos diferentes e observa outras coisas no caminho.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Levar a comunidade a uma reflexão sobre o perdão e a tolerância. Estamos seguindo Lamec ou Jesus? Estamos empenhados em construir pontes ou em edificar muros entre as pessoas? É necessário sondar o próprio coração, perceber se ali estão aninhadas intolerâncias, ressentimentos, aversão ao “diferente”. Maturidade afetiva exige autoconhecimento bem como um coração livre daquela mesquinha estreiteza do ser humano, o qual, embora constantemente necessitado de misericórdia, por vezes se mostra incapaz de perdoar ofensas insignificantes.

Neste mês dedicado à Bíblia, deixemos que a palavra de Deus penetre até nos recônditos mais profundos de nosso ser e nos transforme em verdadeiros irmãos de Jesus e filhos de Deus.

(Texto publicado originalmente em Revista Vida Pastoral n. 280 de setembro-outubro de 2011).

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

2 comentários:

Felipe Costa disse...

Muito bom, Aila!

Aíla disse...

Obrigada Felipe Costa.